A ministra de Gestão e Inovação em Serviços Públicos, Esther Dweck, tinha prazo até o dia 27 de julho para apresentar o projeto de regulamentação do ensino para crianças em casa, o chamado homeschooling. Ao que tudo indica, salvo engano, o projeto não foi apresentado. Como se trata de um ponto que toca diretamente aos direitos individuais das pessoas, gostaria de refletir a respeito.
A modalidade de ensino para crianças em casa já existe no Brasil. Segundo dados da Associação Nacional de Educação Domiciliar (Aned), esse tipo de ensino é praticado por 7,5 mil famílias. Em face desse fato, os dirigentes da Aned frisam: “A proposta respeita o direito de escolha das famílias. Também buscamos garantir o direito das minorias”.
Como o governo atual tem-se mostrado contrário àquilo que os cidadãos priorizam no terreno da educação (lembremos a maluca decisão de Lula de extinguir as escolas cívico-militares, em que pese o fato da ampla acolhida que essa modalidade pedagógica teve no Brasil nos últimos anos), é bom lembrar como se dá o interesse das famílias brasileiras em prol da modalidade do ensino em casa.
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Recordemos, a respeito, que o presidente Jair Bolsonaro tinha prometido, ao assumir o poder em 2019, que publicaria uma medida provisória (MP) com a finalidade de implantar a educação domiciliar. O Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos recebeu do presidente a incumbência de preparar o texto correspondente. Então ministra Damares Alves defendeu a MP, nos seguintes termos:
“Este ministério (…) surge para atender as demandas de famílias no Brasil”, disse Damares, em entrevista ao site G1 em janeiro de 2019. “Temos um número muito grande de famílias (…) que já fazem o ensino domiciliar, só que estas famílias não estão ainda abrigadas pela legislação. (…). Elas fazem educação em tempo parcial em casa. Então, é um número muito grande de famílias, mas o interessante é que existem muito mais famílias querendo o ensino domiciliar e ainda não partiram para (ele) porque não há uma legislação. Então, a MP vem para acolher as famílias que já fazem o ensino domiciliar.”
Homeschooling: forma de valorizar iniciativa de famílias
Durante o período no qual estive à frente do Ministério da Educação, tive oportunidade de receber os representantes da Aned. Apoiei as suas reivindicações e ofereci a ajuda da pasta, notadamente por meio da Secretaria de Alfabetização, no que tange à formação de mestres alfabetizadores. O apoio à prática do homeschooling é uma das formas de valorizar a iniciativa das famílias na educação dos seus filhos.
O ensino domiciliar originou-se nos Estados Unidos, nos anos 70 do século passado, sendo que hoje está vigente em mais de 60 países. Na América Latina, é praticado e regulamentado em quatro países: Colômbia, Chile, Equador e Paraguai. A Aned calcula que, no Paraná, mais de 3 mil famílias adotaram esse tipo de docência.
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Além do contexto latino-americano, o ensino doméstico é aprovado e praticado em vários países, além dos Estados Unidos, sendo que está presente na Áustria, na Bélgica, no Canadá, bem como na Austrália, França, Noruega, Portugal, Rússia, Itália, Nova Zelândia e Africa do Sul. A modalidade de ensino domiciliar é vetada, contudo, na Alemanha e na Suécia, onde a prática da homeschooling é considerada crime. Na maior parte dos países em que vige a educação domiciliar é adotada uma avaliação anual dos alunos.
No que diz respeito à legislação vigente no nosso país, o Artigo 6º da Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB, 1996) frisa que: “É dever dos pais ou responsáveis efetuar a matrícula das crianças na educação básica a partir dos 4 anos de idade”. Não há, no entanto, na nossa legislação, qualquer lei que proíba explicitamente educação domiciliar. O Supremo Tribunal Federal (STF), quando do julgamento do Recurso Extraordinário 888815 (setembro de 2018), não indicou qualquer inconstitucionalidade na prática do homeschooling.
Na ocasião do julgamento pelo STF, o ministro Alexandre de Moraes frisou a respeito: “Não se trata de um direito e sim de uma possibilidade legal, mas que (carece de) regulamentação”.
Avaliações sobre o ensino domiciliar
A Aned considera que o homeschooling favorece o desenvolvimento de habilidades e atitudes tais como:
- maior amadurecimento da personalidade;
- disciplina de estudo;
- gosto pelo aprendizado;
- desenvolvimento de novas estratégias de assimilação de conhecimentos;
- fortalecimento da autoestima; e
- valorização do empreendedorismo.
A associação considera, outrossim, que a educação domiciliar resguarda as crianças e os jovens de pressões sociais inadequadas, bem como do afastamento do convívio familiar, do retardo e da passividade no processo de aprendizagem. Prevenindo, dessa forma, o desinteresse dos alunos pelos processos de aprendizagem.
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A Aned considera, de outro lado, que a educação praticada nas instituições de ensino no Brasil é, em termos gerais, de tipo “conteudista”, sacrificando a criatividade dos alunos. Já o “treino para o aprendizado” oferecido pela prática do ensino domiciliar constitui uma alternativa para esse modelo passivo. A vantagem do “treino para o aprendizado” revela-se na prática. Segundo a entidade, “os pais que compreenderam bem esse aspecto, já captaram qual é a verdadeira essência do trabalho que precisam realizar com seus filhos”.
No que tange à legislação estadual a respeito da educação domiciliar, o governador do Paraná, Ratinho Junior (PSD), sancionou, em 5 de outubro de 2021, a lei que introduz o ensino domiciliar para estudantes do ensino infantil, fundamental e médio. A lei prevê que os alunos deverão ter 8 horas por mês de interação social. A respeito, frisou o governador: “Com esta lei o Paraná passará a ser o primeiro Estado do país a regulamentar o homeschooling”.
Segundo o texto de autoria do deputado estadual Márcio Pacheco (PSC), as aulas ficam aos cuidados dos pais ou responsáveis, com supervisão e avaliação periódica da aprendizagem por parte da Secretaria de Estado da Educação e do Esporte do Paraná (Seed. A prática não é obrigatória, cabendo aos responsáveis legais optarem por um modelo de ensino. A escolha deverá ser comunicada à pasta.
“É uma forma democrática para a educação das nossas crianças e adolescentes, dando a opção aos pais de definirem qual formato de aprendizagem eles querem”, afirmou o governador Ratinho Junior, em trecho do texto em que sancionou a lei sobre ensino domiciliar. “Aqui no Paraná temos a escola convencional, com aulas de programação, robótica e educação financeira; a escola cívico-militar; e agora o homeschooling. Os pais ou responsáveis é que vão escolher.”
O exemplo no Paraná
Uma última informação. Um grupo de trabalho da Seed foi instituído para criar os mecanismos necessários com vistas à execução da proposta, (incluindo a fixação de um calendário de provas, além de avaliações periódicas para medição do nível de aprendizado dos estudantes). Foi previsto que caberá aos conselhos tutelares realizarem supervisões periódicas, a fim de coibir qualquer tipo de abuso, com o objetivo de garantir a segurança e o bem-estar dos estudantes paranaenses.
A legislação prevê, também, a proibição da prática do homeschooling por pais e responsáveis que tenham sofrido condenação pela prática de qualquer crime doloso contra a vida previsto no Estatuto da Criança e do Adolescente e na Lei Maria da Penha. O texto estabelece, por último, a necessidade de os alunos terem interação social (com um mínimo de 8 horas por mês, mediante a programação de atividades coletivas desportivas, religiosas ou de lazer, em espaços públicos ou privados). A participação poderá ser comprovada mediante a apresentação de matrículas, contratos, diplomas, certificados, recibos e declaração dos pais ou responsáveis, documentos registrados com a ajuda de filmagens ou fotografias.
“Uma forma eficiente e inovadora de praticar a liberdade de ensino”
O jornal Folha de Londrina, na edição de 10 de março do ano passado, informava, por meio de reportagem do jornalista Rafael Machado, que a então secretária municipal de Educação, Maria Tereza Paschoal de Moraes, se manifestou contra o projeto de lei assinado por sete vereadores que instituiu o homeschooling em Londrina (PR). Em ofício enviado à Câmara, a secretária frisou que, como “não há uma legislação federal que indique a execução do assunto na esfera municipal de ensino, não há possibilidade de discussão sobre a chamada educação domiciliar”.
Do exposto em parágrafos anteriores, no entanto, fica claro que há uma base legal para a partir daí efetivar a regulamentação do ensino domiciliar em nível municipal e estadual. Bastaria com que a assessoria jurídica da Câmara Municipal ou da Assembleia Legislativa em questão consultasse os diplomas legais citados, os quais, no meu entender, constituem base jurídica sólida para a adoção do homeschooling que é, nestes tempos de pós-pandemia, uma forma eficiente e inovadora de praticar a liberdade de ensino.
Por último, as universidades regionais, tanto públicas quanto privadas, que funcionam nos vários Estados, poderiam programar seminários sobre a prática do ensino domiciliar, ilustrando sobre os vários aspectos pedagógicos, culturais e políticos dessa modalidade, que já se pratica em várias cidades brasileiras.
Leia também: “Homeschooling, o ensino sem as mãos do Estado”, reportagem de Cristyan Costa publicada na Edição 65 da Revista Oeste
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O ensino em casa desfavorece totalmente a inserção social das crianças, além, é claro, de deixar muito a desejar quanto à qualificação da família em relação aos conteúdos e metodologias pedagógicas. Ninguém demonstrou que foi positivo nos países em que foi implantado.
Como assim ninguém demonstrou ?
Tenho vários amigos que fizeram homeschooling em Francês. Eram filhos de franceses residentes no interior do Brasil onde não tinham escolas francesas. Falam fluentemente a língua, se formaram, passaram no dificílimo vestibuar frances e se formaram nas universidades francesas.
Hoje, são diplomados e totalmente bilíngues. Médicos, advogados, engenheiros etc…
Excelente! É uma esperança, pq, o número elevado de analfabetos, pessoas desmotivadas, revela que do jeito que está a educação não pode ficar! !!!