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Foto: Montagem/Revista Oeste
Edição 216

Os exilados do 8 de janeiro

Presos na manifestação abandonaram a vida que tinham no Brasil para fugir das condenações do Supremo Tribunal Federal

Cristyan Costa
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Durante o regime militar, centenas de brasileiros perseguidos pela junta de generais que tomara o poder em 1964 deixaram o país em busca de asilo. Passados 45 anos, o Brasil voltou a ter presos e exilados políticos, mas agora de um regime judicial severo capitaneado pelo Supremo Tribunal Federal (STF) e com o apoio incondicional do governo Lula 3. É o caso dos envolvidos no protesto de 8 de janeiro de 2023. Com a volta de manifestantes à Papuda, à Colmeia e a presídios estaduais, depois de condenações que chegam a 17 anos, pessoas na mira do STF deixaram tudo para trás a fim de se refugiarem no exterior.

Algumas das dificuldades encontradas por quem se arrisca a viver longe de casa é desconhecer completamente o país em que se está, ser visto com desconfiança pelos demais e conseguir emprego. Essa situação ilustra o novo normal de um paulista de 35 anos, atualmente morando na Argentina. Quando estava no Brasil, ele sustentava a mulher e os filhos trabalhando como garçom, além de complementar a renda fazendo entregas por aplicativo. A maioria dos recursos ia para cuidar de familiares, alguns deles sofrendo de uma doença rara. Hoje, essas pessoas vivem da ajuda de amigos e de auxílio do Estado.

Para o homem, que não tem rotina ou amigos onde vive atualmente, os dias passam devagar e se tornam angustiantes quando ele se lembra dos parentes que deixou sem se despedir, numa fuga desesperada que exigiu a retirada forçada da tornozeleira eletrônica. Ainda sem conseguir se regularizar no novo país, o preso do 8 de janeiro condenado a quase 17 anos de cadeia também não tem trabalho e sobrevive da ajuda dos outros, que o auxiliam com alimento, roupas e abrigo. Uma de suas preocupações é se manter saudável, visto que não tem convênio médico, tampouco meios para acessar o sistema público de saúde.

Por causa das condenações que chegam a 17 anos, pessoas na mira do STF deixaram tudo para trás, a fim de se refugiar no exterior | Foto: Shutterstock

A situação é semelhante à de um paranaense de meia-idade, que também trocou o Brasil pela Argentina para escapar da condenação a mais de dez anos imposta pelo STF. O homem passa o dia em busca de trabalho, mas tem dificuldades para encontrar até mesmo empregos simples, como dirigir um caminhão ou carpir terrenos. Somado a tudo isso, precisa lidar com a depressão profunda que desenvolveu ainda na Papuda. A doença se agravou desde a fuga, principalmente quando se recorda do dia em que se despediu da mulher e do filho pequeno, ambos totalmente dependentes do salário dele. Atualmente, o homem vive de doações de igrejas locais e de outras pessoas nas redondezas que se solidarizaram com a situação.

O drama dos exilados do 8 de janeiro é ainda maior para uma mineira de 57 anos, que hoje reside no Uruguai. Com as contas bancárias bloqueadas, por ordem do ministro Alexandre de Moraes, e a iminente possibilidade de voltar ao tormento da Colmeia, ela optou pelo caminho mais extremo na tentativa de buscar a liberdade no exterior e também de ajudar financeiramente os parentes que dependem dela no Brasil. De acordo com a mulher, a pena que pode vir a cumprir é totalmente injusta, por não ter quebrado nada antes de se refugiar das bombas de efeito moral no interior do Planalto.

Ao deixar o Brasil em meados de fevereiro deste ano em companhia de outras pessoas, ela acabou abandonada pelo comboio em uma cidade uruguaia, apenas com uma pequena mala e a roupa do corpo. Depois de ter passado bastante dificuldade e morado na rua, ela conseguiu ajuda de gente solidária e hoje se mantém com o que ganha fazendo bicos. Apesar de tudo, ela não pensa em voltar para casa tão cedo, sobretudo por causa do medo de passar 17 anos na prisão sem ver amigos e parentes, entre eles o marido e os filhos, sendo um deles deficiente.

Esses e outros brasileiros que fugiram do país se somam a alguns que estão no exílio há bem mais tempo: os jornalistas Allan dos Santos e Oswaldo Eustáquio. Santos mora nos Estados Unidos desde 2020, ano em que passou a ser alvo de inquéritos abertos pelo STF. O STF, por sua vez, tem feito investidas para tentar extraditá-lo — todas, até o momento, sem sucesso. Ao recusar um dos ofícios do Ministério da Justiça do governo Lula, em parceria com Moraes, o Departamento de Estado (equivalente ao Ministério das Relações Exteriores) dos Estados Unidos negou a solicitação. Isso porque as autoridades norte-americanas entenderam ser “crime de opinião”. A pasta enfatizou que a liberdade de expressão é assegurada pela Constituição daquele país.

Allan dos Santos
O jornalista Allan dos Santos mora nos EUA desde julho de 2020, para onde se exilou depois de ser investigado em inquéritos abertos pelo ministro Alexandre de Moraes, no Supremo Tribunal Federal (STF) | Foto: Reprodução/@38contadoallan
Presos políticos

Além dos exilados, o Brasil tem milhares de presos políticos acorrentados a tornozeleiras eletrônicas e cumprindo “medidas restritivas”, devido ao 8 de janeiro. A maioria dessas pessoas, que deveria estar sendo julgada por um juiz de primeira instância, é obrigada a escolher entre esperar o julgamento para ser trancafiadas em uma penitenciária do Estado de origem ou assinar um “acordo de não persecução penal” da Procuradoria-Geral da República (PGR) – e confessar crimes mesmo sem os ter cometido. De acordo com os dados mais recentes divulgados pelo STF, mais de mil pessoas ainda aguardam julgamento da Corte. E 173 foram condenadas. Além disso, 172 acordos foram firmados entre os manifestantes e a PGR, já homologados pelo STF.

No Estado de Direito, não pode haver um único ser humano que, sem ter cometido crime algum, enxergue em qualquer autoridade do Poder Judiciário uma ameaça a ser neutralizada pela mudez, pela rendição incondicional ou pela fuga

Esse cenário dantesco põe o Brasil na lista que inclui as ditaduras da Venezuela, de Cuba, de Angola, do Irã e da Coreia do Norte, principais focos de fuga de exilados políticos. São regimes autocratas que perseguem não apenas gente simples que discorda do pensamento do establishment dominante, mas também desafetos políticos de renome. Na Venezuela chavista, por exemplo, figuras importantes na luta contra a ditadura, como Henrique Capriles, candidato da oposição à Presidência em 2012 e em 2013, vão parar na cadeia, com condenações que podem chegar a 20 anos. Recentemente, o ditador Nicolás Maduro prendeu integrantes da campanha da ex-deputada María Corina Machado e os colocou em um presídio notório por torturas.

O Brasil tem milhares de presos políticos acorrentados a tornozeleiras eletrônicas e cumprindo “medidas restritivas”, devido ao 8 de janeiro | Foto: Wellington Firmino

No Brasil, nomes de peso também estão detidos sem previsão de soltura. É o caso dos ex-deputados Daniel Silveira e Roberto Jefferson. Além da vida suspensa, Silveira e sua mulher, a advogada Paola, tiveram os bens bloqueados por Moraes, no valor de quase R$ 1 milhão, desde a condenação pelo STF do ex-parlamentar a oito anos e seis meses de cadeia. Já Jefferson encontra-se em um hospital na zona sul do Rio de Janeiro, onde trata um câncer grave e também diabetes.

A palavra “medo” rima com ditadura. No Estado de Direito, não pode haver um único ser humano que, sem ter cometido crime algum, enxergue em qualquer autoridade do Poder Judiciário uma ameaça a ser neutralizada pela mudez, pela rendição incondicional ou pela fuga. Numa democracia de verdade, não é assim que funciona. Em agosto de 1979, a anistia ampla, geral e irrestrita chancelada pelo Parlamento perdoou crimes de todos os lados e reuniu pessoas apartadas do convívio familiar. Cabe ao Congresso Nacional repetir o feito e agilizar a aprovação do perdão aos presos do 8 de janeiro e devolver o Brasil à normalidade que foi sepultada há cinco anos.

Leia também “O aparato de vigilância do TSE”

16 comentários
  1. Plotino Ladeira da Matta
    Plotino Ladeira da Matta

    Mesmo essa anistia não vai regularizar a situação jurídica e política do país. O mais importante é a aprovação da PEC do voto auditável e a CPI do abuso de poder

  2. José Carlos Santos Vieira Graddi
    José Carlos Santos Vieira Graddi

    Tenho dito: VAI PIORAR. Se o nosso congresso não parar de brincar de democracia, logo logo, o estado brasileiro começará a matar em nome da “democracia” petista como faz Cuba e Venezuela. E quem fará isso serão a nossa Gestapo, outrora conhecida como PF e os nossos melancias. A revoada de brasileiros para o exterior cada dia aumenta mais. Estão ficando os velhos, os covardes e o rebutalho. Pobre Brasil.

  3. Darwin Cristino
    Darwin Cristino

    Acho um absurdo ter que sair do pais para não ser preso por crimes que sequer existem, mas pelo menos podem morar nos arredores, cidades fronteiriças tem emprego para brasileiros, Rivera/Santana do Livramento, Salto Guairá/Guaira e Pedro Juan Caballero/Ponta Pora tem vários brasileiros que trabalham e moram nos países vizinhos até por condições financeiras melhores

  4. Rubens Bussacos
    Rubens Bussacos

    8 de janeiro é um tema que obrigatoriamente tem que estar em todas as edições da Oeste até que haja justiça contra esses ditadores da toga e ao Presidente do Senado. Não podemos deixar esquecer.

  5. Alex Rodrigues dos Santos
    Alex Rodrigues dos Santos

    O 8 de janeiro foi o maior golpe dessa ditadura que se implantou no País por intermédio do STF, uma corte que deveria ser constitucional, mas rasgou a Constituição, para se tornar uma corte política e pior de tudo, somente um lado pode falar e fazer o que quer, os que ousam discordar, são condenados a 17 anos de prisão e classificados como extremistas que atentam ao estado democrático de direito, meu Deus, o que será do Brasil?

  6. Maria Thereza Andres Costa
    Maria Thereza Andres Costa

    Tudo isso acontece porque o Congresso deixa acontecer….

  7. Valesca Frois Nassif
    Valesca Frois Nassif

    Fico arrasada, devastada , com tamanha injustiça. É necessário priorizar a busca de uma solução para essas vítimas de tamanha injustiça . Inaceitável tanta tirania!

  8. Candido Andre Sampaio Toledo Cabral
    Candido Andre Sampaio Toledo Cabral

    Perturbadora a situação destes brasileiros injustiçados. Espero que no futuro breve tenham sua liberdade de volta e os tiranos que os impuseram isto seja devidamente punidos.

  9. Gladner Cardeal Stasiuk Paes
    Gladner Cardeal Stasiuk Paes

    A pergunta que não quer calar é saber quando os ditos deputados de direita do país aprovarão a anistia geral e irrestrita a esses perseguidos patriotas. Já demoraram de mais. O tempo para os perseguidos urge, e são obrigado a viverem longe de seus familiares e amigos.

  10. Ralf Sommer
    Ralf Sommer

    Plenamente de acordo com o texto e o comentário da Sra. Ligia Maria de Bastiani

  11. Ligia Maria De Bastiani
    Ligia Maria De Bastiani

    É revoltante tudo o que aconteceu e está acontecendo no nosso país. Espero viver o bastante para ver o ditador e seus cúmplices, que pisoteiam nossa Constituição, responderem pelos crimes que cometem.

  12. Erasmo Silvestre da Silva
    Erasmo Silvestre da Silva

    Ninguém é cego pra saber que os valores estão invertidos, vamos fazer o maior esforço pra desmanchar tudo isso que está aí e colocar toda essa corja de bandidos ladrões comunistas terroristas genocidas que que estão no poder há 20 anos escancarando e debochando do povo

  13. Leonardo Abreu
    Leonardo Abreu

    Xandão do PCC é cruel, e um dia pagará pelas arbitrariedades cometidas

  14. Selma Rocha
    Selma Rocha

    O ditador tupiniquim receberá d volta exatamente aquilo q está plantando,nem mais e nem menos, será na medida exata das suas ações. Revoltante saber q toda essa narrativa mentirosa d golpe está destruindo a vida d muitas pessoas, por isso, ñ tenho a menor dúvida d q a queda será inevitável, veremos se irá suportar a humilhação q está chegando, o tempo dirá.

  15. Sérgio Tostes de Escobar
    Sérgio Tostes de Escobar

    Esse assunto deve ter prioridade do Congresso. É inadmissível o que acontece com esses brasileiros. Triste, muito triste um país que permite essa monstruosidade!!!

  16. Maria Lucia Benevides de Schueler
    Maria Lucia Benevides de Schueler

    Excelente artigo! Fico perturbada ao ver que o ser humano pode repetir os erros e as maldades dos que lhe antecederam. Atentar contra a vida, a integridade física, moral, emocional, psicológica de outro ser humano, sabendo que faz isto injustamente é aterrador. A maldade parece não ver limites.

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