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Vista aérea da praia de Ipanema e do Leblon e da favela do Vidigal, Rio de Janeiro, Brasil | Foto: Donatas Dabravolskas/Shutterstock
Edição 200

É muito calor

A degradação da segurança no Rio seguiu o mesmo ritmo que no resto do país. Mas parece justo dizer que o Rio liderou esse processo

Roberto Motta
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Escrevo este artigo em meio a uma onda de calor sem precedente na minha memória. A temperatura há muito ultrapassou os 40 graus. Uma espécie de neblina paira sobre a minha cidade: uma mistura de poeira e vapor de água, um cobertor que multiplica a sensação de calor da qual é impossível escapar.

Eu amo calor. Eu amo o Rio de Janeiro. Achei que deveria dizer isso de uma vez.

Entre 1763 e 1960, o Rio de Janeiro foi a capital do Brasil. Quando a sede do governo federal foi transferida para Brasília, ficou um buraco econômico, político e administrativo que nunca foi propriamente preenchido.

A cidade do Rio de Janeiro, segunda capital do Brasil, foi assim estabelecida no século 18 | Foto: Reprodução

Criticar o Rio virou uma forma de passatempo nacional, até para quem nunca colocou os pés aqui. É compreensível. Um lugar como o Rio desperta fortes emoções. Mas a verdade é que, pelo menos do ponto de vista político, a situação do Rio de Janeiro não me parece mais crítica do que a situação de outros Estados. Há uma lista grande de lugares que exibem uma mistura tão ruim — ou pior — de criminalidade, populismo e radicalismo de esquerda quanto a que marca a história recente do Rio.

O que aconteceu com o Rio não era inevitável. Na verdade, a história poderia ter sido muito diferente. Depois que o Distrito Federal se transferiu para Brasília, o Rio se transformou no Estado da Guanabara e elegeu Carlos Lacerda como seu primeiro governador. Lacerda foi um dos maiores talentos da política brasileira, intelectual extraordinário e um administrador cujas realizações formam até hoje a paisagem do Rio. Como recompensa por sua coragem moral e sua capacidade administrativa, Lacerda recebeu primeiro uma campanha de demonização lançada pela esquerda e que reverbera até hoje — e depois, em 1968, a cassação de seus direitos políticos.

É justamente a esquerda, em suas várias denominações, que vem exercendo, de uma forma ou de outra, a hegemonia política no Rio desde que Lacerda terminou seu mandato, em 1965.

Carlos Lacerda: político da antiga Guanabara, um dos maiores oradores brasileiros | Foto: Reprodução

Observadores culpam a longa presença do governo federal no Rio pela criação de uma cultura de dependência do Estado, sempre em busca de uma boquinha, de um cargo, de um esquema. De acordo com essa teoria, as preferências do carioca seriam a praia, o Carnaval e um emprego público — a ordem não importaria muito. 

Discordo dessa teoria, embora alguns indicadores pareçam confirmá-la (por exemplo: decorridos 50 anos da transferência da capital, o Rio de Janeiro ainda tem mais servidores públicos federais do que Brasília).

Se há quem afirme que a decadência começou com a ida da capital para Brasília, o processo parece ter recebido um impulso definitivo com a fusão entre os Estados da Guanabara e do Rio de Janeiro, em 1975. Essa fusão teria misturado culturas políticas bastante diferentes e criado condições para que o populismo dominante na política fluminense se tornasse hegemônico. Também não custa lembrar que foi na cidade de Niterói, capital do antigo Estado do Rio de Janeiro, que foi fundado o Partido Comunista do Brasil, em 1922.

Óleo sobre tela de Leandro Joaquim registra a cidade do Rio de Janeiro no século 18 (data desconhecida) | Foto: Acervo Museu Histórico Nacional

Uma política contaminada dessa forma tornou difícil lidar com problemas que, se tivessem sido tratados com um mínimo de bom senso — ou com a competência de um Carlos Lacerda —, não teriam saído de controle. O principal desses problemas é, evidentemente, o crime, cuja manifestação mais visível é a dominação de grandes territórios pelo tráfico de drogas.

Reza a lenda que foi no extinto presídio da paradisíaca Ilha Grande que criminosos comuns receberam aulas de organização e doutrina de presos políticos de esquerda, e que ali teria nascido a primeira grande organização criminosa nacional, o Comando Vermelho

A degradação da segurança no Rio seguiu o mesmo ritmo que no resto do país. Mas parece justo dizer que o Rio liderou esse processo. Durante muito tempo, foram testados no Rio modelos de organização e de ação criminal que, depois, foram exportados para outras regiões. Desenvolveu-se no Rio um ecossistema forte de apoio a atividades criminosas, envolvendo associações da sociedade civil, entidades não governamentais, “institutos de pesquisa”, “intelectuais”, acadêmicos, veículos de mídia e uma enorme constelação de ativistas e políticos de extrema esquerda.

Um dos resultados desse esforço é a ADPF 635, também conhecida como “a ADPF das favelas”. Quando, no início de 2020, uma deputada estadual da extrema esquerda carioca discursou pedindo a suspensão das operações policiais nas comunidades do Rio de Janeiro “para não atrapalhar o combate à pandemia”, a reação geral foi de chacota. A piada não duraria muito tempo. Em junho de 2020, uma decisão do STF proibiu a realização de operações policiais nas favelas, a não ser em casos excepcionais.

Foto: Reprodução/STF

Reza a lenda que foi no extinto presídio da paradisíaca Ilha Grande que criminosos comuns receberam aulas de organização e doutrina de presos políticos de esquerda, e que ali teria nascido a primeira grande organização criminosa nacional, o Comando Vermelho. Lenda ou não, é evidente que o Rio se tornou um laboratório onde novas fronteiras — jurídicas, políticas, ideológicas e morais — são constantemente expandidas em benefício do crime, principalmente de sua variedade mais ameaçadora: o narcotráfico.

É um calor que aumenta a cada dia, ainda com pouca perspectiva de alívio.

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12 comentários
  1. Luiz Fraga
    Luiz Fraga

    Eita, Motta! Normalmente vc é ótimo. Mas este seu artigo tá “fraquinho”, hem?! Explicar a decadência do Rio de Janeiro envolve muitos mais fatores e complexidades. Por exemplo: vc nem sequer citou os anos de governo do Brizola. Esse governador demagogo e populista proibia a atuação da Polícia Militar nas áreas de favelas por ter ligações “cabulosas” com o narcotráfico.
    De Brizola pra cá a situação do RJ (Estado e capital) só foi de mal a pior.

  2. DONIZETE LOURENCO
    DONIZETE LOURENCO

    O cidadão de bem do Rio de Janeiro é cumpridor de suas obrigações e deveres sociais e da moral que deve prevalecer sempre.
    Fui protagonista de um evento que nunca imaginei que aconteceria.
    Em março de 2013 passei todo o mês a trabalho no Rio, hospedado no Hotel Imperial no Catete.
    Certo dia na Estação Catete do Metro, comprei meu bilhete e usei o caixa eletrônico para efetuar uma transação bancária.
    Fui até a Penha onde estava minha base de trabalho e no almoço quando procurei meu cartão para efetuar o pagamento, não o encontrei.
    Orientado por um amigo liguei para a Estação Cinelândia que concentra achados e perdidos. Informaram que se tivesse sido encontrado levaria 2 dias para chegar.
    Gentilmente a funcionária informou o número do telefone da Estação Catete e o nome do supervisor.
    Liguei e falei com o Paulo, pediu alguns instantes e retornou com a melhor notícia. Alguém encontrou o cartão e deixou aos cuidados da operação.
    Isso demonstra que o crime tem seu espaço reservado nas facções, protegidos por políticos igualmente criminosos e judiciário não menos pior, não sendo habitado por todos os cariocas e fluminenses.
    Na minha modesta opinião, a situação do Rio começou a se deteriorar com a eleição de Leonel de Moura Brizola ao governo do estado, apoiado pelos bicheiros da época.
    O seu “governo” foi pioneiro em proibir ações policiais nas comunidades.
    Recentemente o STF apenas referendou uma prática antiga.

  3. Candido Andre Sampaio Toledo Cabral
    Candido Andre Sampaio Toledo Cabral

    Incrível como o STF faz tanta coisa prejudicial ao país. Como essa decisão do Edson Fachin.

  4. VALKIR ANTONIO MOLLER
    VALKIR ANTONIO MOLLER

    O tráfico de drogas só existe porque tem quem consome e oculta seu fornecedor. Então, quem são os culpados?

  5. Joao Pita Canettieri
    Joao Pita Canettieri

    Infelizmente, RJ = Insegurança ???????????? Anos de DESGOVERNO. Principalmente no Governo Esradual e na Região Metropolitana do RJ.

  6. Erasmo Silvestre da Silva
    Erasmo Silvestre da Silva

    O Rio de Janeiro ficou mais forte quando tava o trio ternura da política, Lula, Cabral e Paes. Que Maravilha!já dizia Gilberto Gil e Bezerra da Silva

  7. Antonio Carlos Neves
    Antonio Carlos Neves

    Pois é Motta, já que a ADPF das favelas virou LEI proibindo ações policiais nas favelas, salvo em situações excepcionais, parece interessante que nesses casos fosse chefiada por um ministro do STF sorteado para pacificamente e desarmado atingir o resultado das operações. Evidentemente sem seguranças pessoais armados.

  8. Leila marta Vieira Lima
    Leila marta Vieira Lima

    O covil dos petistas infelizmente se localiza no Rio de Janeiro. Enquanto não se exterminar este partido maléfico a corrupção, a criminalidade e a violência continuará reinando nesta cidade que tem tudo pra ser maravilhosa. Podemos e devemos tentar recuperar a nossa cidade maravilhosa através do nosso voto consciente e fazendo boas escolhas com políticos comprometidos e dignos.

  9. Marcus Borelli
    Marcus Borelli

    Parabéns pelo texto Motta. É isto mesmo o que você disse. Na minha opinião os grandes culpados são os consumidores de drogas e os eleitores que elegem mau seus representantes. Solução há mais será difícil e como qualquer caminhada tem que começar pelo primeiro passo.

  10. Osmar Martins Silvestre
    Osmar Martins Silvestre

    Caro colega Roberto Motta (sou engenheiro), o seu artigo é como gosto de ler, com lógica cartesiana. Costumo pensar e dizer, o crime organizado é o braço armado da ideologia da extrema-esquerda nacional (atualmente um deles, há outros). Penso que ele já prestou bons serviços a ela. Em contrapartida, ganhou muitos bônus, muitas leis de proteção sob a desculpa de “direitos humanos”, porque o criminoso é apenas uma vítima da sociedade. Infelizmente, perdi a esperança que isso possa um dia, mudar. Estou enganado. Vai mudar sim… para pior.

    1. Marcus Borelli
      Marcus Borelli

      Acho que pode mudar sim e para melhor só depende dos Homens de bem, a maioria, quererem.

  11. Ana Rubia Andrade Costa Pinto
    Ana Rubia Andrade Costa Pinto

    Foi falange vermelha. Depois que virou comandante vermelho

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