Pular para o conteúdo
publicidade
Lula, Greta Thunberg e Macron versus agronegócio | Foto: Montagem Revista Oeste/Shutterstock
Edição 188

Barril de pólvora

A intenção dos constituintes foi decidir conflitos de terra com base na situação naquela data, estabelecendo-se a partir de então, com o marco temporal, a segurança jurídica e a consequente paz no campo

Alexandre Garcia
-

Ao vetar a essência do projeto de lei que repõe na Constituição o marco temporal, Lula agradou as ONGs estrangeiras, o Conselho Indigenista Missionário (Cimi), a Greta, o rei da Noruega, Macron, mas desagradou quem planta, cria e garante um balanço de pagamentos que permite que importemos remédios, celulares, máquinas, automóveis, aviões. A Frente da Agropecuária decidiu que vai derrubar os vetos do presidente e tem votos para isso, mas o Supremo pode derrubar a derrubada do veto.

O projeto reage à decisão do Supremo que considera inconstitucional na Constituição parte do artigo 321. Os constituintes, eleitos pelo povo para fazer uma Constituição, trabalharam 20 meses e estabeleceram que “são reconhecidos aos índios…os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam”. Como aprendemos no ensino básico, “ocupam” está no presente do indicativo; portanto, são as terras que estavam ocupadas no dia da promulgação da Constituição. Se quisessem diferente, os constituintes escreveriam “que tenham ocupado” ou “que vierem a ocupar”. Chamou-se aquela data — 5 de outubro de 1988 — de “marco temporal”. Durante os trabalhos, o constituinte Jarbas Passarinho percebeu que o texto proposto registrava “imemorialmente”. Ponderou que o advérbio significa “sem memória”; sugeriu mudar para “tradicionalmente”, para não enfraquecer o marco temporal.

marco temporal
Indígenas se reúnem em frente ao STF para assistir à votação do marco temporal | Foto: Fábio Rodrigues Pozzebom/Agência Brasil

A intenção dos constituintes foi decidir conflitos de terra com base na situação naquela data, estabelecendo-se a partir de então a segurança jurídica e a consequente paz no campo. Essa intenção foi derrubada pelo Supremo e reerguida pelo projeto de lei que foi vetado pelo presidente. O efeito agora é o oposto do pretendido pelos constituintes de 1988: insegurança fundiária e risco de conflitos por todo o país. Não aprendemos com o passado. Há 111 anos começou a Guerra do Contestado, em Santa Catarina e no Paraná. Durou quatro anos e teve 8 mil brasileiros mortos. Causa: insegurança fundiária. Perguntem ao senador Esperidião Amin, que é um especialista naquela tragédia.

A racionalidade, a percepção do país real, deveria se sobrepor às emoções ideológicas

Para derrubar veto, é preciso maioria absoluta, isto é, metade mais um da Câmara (257 votos) e do Senado (41 votos). A Frente da Agropecuária conta com 303 deputados e 51 senadores, mas os perdedores podem recorrer ao Supremo. Em 2015, Dilma vetou a lei do comprovante impresso do voto, mas 368 deputados e 56 senadores — 71% do Congresso — derrubaram o veto. No entanto, numa ação de inconstitucionalidade movida pela Procuradoria da República, o Supremo derrubou a decisão do Congresso reafirmada por 424 dos 594 congressistas. A Constituição põe o Legislativo em primeiro lugar, já que o poder emanado do povo pode ser exercido por seus representantes. Mas já vimos o poder que emana do povo sendo anulado pelo Supremo.

CPI MST
Deputado federal Zucco (Republicanos-RS), presidente da CPI do MST e da Frente Parlamentar Invasão Zero [ao centro] | Foto: Myke Sena/Câmara dos Deputados

Insegurança fundiária é insegurança social. A questão é delicadíssima. Sempre foi motivo de conflito. A Constituição estabeleceu a pacificação com um marco. Que eliminaria os motivos para agitação no campo. Agora, como se não bastassem os conflitos que agitam a Amazônia e o Rio de Janeiro, recria-se um potencial de conflito fundiário, num país com terra abundante para todos. A racionalidade, a percepção do país real, deveria se sobrepor às emoções ideológicas. A irracionalidade aposta no conflito.

Leia também “Passivos e omissos”

16 comentários
  1. Olívia Mattos
    Olívia Mattos

    Parabéns pelo artigo

  2. DONIZETE LOURENCO
    DONIZETE LOURENCO

    As aberrações jurídicas perpetradas pelo STF tratando a Constituição a ponta pés é o retrato de um país que nunca respeitou muita coisa em relação ao ordenamento jurídico.
    Este comportamento nefasto prejudica o desenvolvimento pela insegurança nos investimentos que irão gerar empregos, renda, impostos e melhor qualidade de vida a todos os habitantes da nação.

  3. Candido Andre Sampaio Toledo Cabral
    Candido Andre Sampaio Toledo Cabral

    O caminho é longo, mas precisamos focar em 2026 para eleger a maioria do senado, assim como reafirmar maioria na câmara. E a partir de então começar a se discutir uma nova constituição.

  4. Idílio Mariani Júnior
    Idílio Mariani Júnior

    Vivemos um escárnio. As instituições neste sistema democrático não funcionam, não se regulam. Sofremos um golpe de estado dado pela cúpula dos três poderes, ante a certeza que quem agiu em 64 nada faria, pois estão mais preocupados com cargos e salários.

  5. Antonio Carlos Ariboni
    Antonio Carlos Ariboni

    Trata-se de verdadeira usurpação de competências. O Congresso é a manifestação real e verdadeira da vontade popular, está pois acima do Executivo e Judiciário. A Constituição é clara ao estabelecer que o Legislativo tem por competência exclusiva elaborar o processo legislativo; o Executivo tem o dever de fazer cumprir a legislação e cabe ao Judiciário, tão somente, aplicar a lei, nos exatos termos fixados pelo legislativo.

    1. Idílio Mariani Júnior
      Idílio Mariani Júnior

      Sofremos um GOLPE DE ESTADO. DADO PELA CÚPULA DOS PODERES. E SEM DAR UM TIRO SEQUER.

  6. CARLOS ALBERTO DE MORAES
    CARLOS ALBERTO DE MORAES

    As ONGs mandam mais no Brasil do que o congresso?

  7. Marcos Aurélio Camilotti
    Marcos Aurélio Camilotti

    Até quando nosso país será submisso a uma corte de juízes que não cumprem a constituição, afrontam o povo brasileiro, não respeitam a vontade do povo através do Congresso e não tem a mínima moral para estarem lá…..chega!

  8. Carlos Eduardo F. Rezende
    Carlos Eduardo F. Rezende

    Aonde o STF quer chegar?

  9. Celso Ricardo Kfouri Caetano
    Celso Ricardo Kfouri Caetano

    Na minha opinião dentre todas as mazelas que estamos vendo hoje no desgoverno do pai dos pobres a pior delas é quando o desrespeito á Lei parte do próprio “guardião da Constituição”…creio que esse tipo de decisão que coloca em risco a propriedade de quem trabalhou arduamente deveria ser discutida pela Câmara e Senado e qualquer aprovação ou reprovação ser efetuada por Decreto Lei para alterar a Constituição….não conheço os meandros jurídicos assim se estiver errado, alguém por favor me corrija. Agora uma coisa é certa, nossa Constituição elaborada em 1988 sob a batuta de Ulisses Guimarães e Tancredo Neves precisa ser refeita urgentemente, mas infelizmente sob a tutoria de quem atualmente, Lira e Pacheco!!!!!!!!! Estamos num buraco sem fundo. Mas não tem problema, logo teremos finais de decisão de campeonato de futebol, longos feriados em Novembro a proximidade das festa de final do ano depois carnaval, o povão feliz, alegre e omisso vai esquentar por que???

  10. Ivahyr Luiz de Campos
    Ivahyr Luiz de Campos

    Exato, simples assim. Parabéns Alexandre!

  11. Hairton Schweter
    Hairton Schweter

    A estratégia vem de fora do Brasil. É questao urgente de segurança nacional impedir a corrosão das instituições.

    1. Alcione Magalhães Ferreira
      Alcione Magalhães Ferreira

      Alexandre Garcia sendo Alexandre Garcia:ponderado,lúcido,verdadeiro,coerente e grande jornalista a nos guiar.

  12. Laercio Turco
    Laercio Turco

    Entendemos q o direito sagrado de propriedade, não é tão sagrado assim…!!
    A q ponto chegamos!!
    Abaixo do fundo do poço!!!
    Esse é o pensamento de nossos governantes!!
    Querem ver sangue derramado!
    O q esses eleitores tem na cabeça!!!
    Tá vazia…..pra não dizer q tem outra coisa!!!

  13. Oldair Dorigon Bianco
    Oldair Dorigon Bianco

    Enquanto deixarem o tal stf kgar para sima … estaremos sempre ferrados e roubados.

  14. RODRIGO DE SOUZA COSTA
    RODRIGO DE SOUZA COSTA

    Cada dia mais penso que os aloprados da frente do quartel não eram tão aloprados assim….Estamos assistindo a derrubada do direito de propriedade no Brasil.

Anterior:
O Movimento dos Sem-Tela
segundo turno inflação argentina Próximo:
A síndrome de Estocolmo argentina
Newsletter

Seja o primeiro a saber sobre notícias, acontecimentos e eventos semanais no seu e-mail.