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Foto: Montagem Revista Oeste/Shutterstock
Edição 88

O Ocidente escolheu a autodestruição

Os promotores do bem não dão conta de enxergar as consequências imprevistas de suas ações

Theodore Dalrymple
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A ordem celestial, como dizem os chineses, foi removida do mundo ocidental. Ou, como os gregos antigos teriam dito ao seu modo, os deuses primeiro enlouquecem aqueles a quem querem destruir.

Uma espécie de loucura ou desejo de autodestruição se instalou no mundo ocidental, versátil em suas manifestações. Enquanto a China constrói porta-aviões, o Ocidente demonstra sua determinação militar indicando almirantes que mudaram de sexo. Enquanto a China abre minas de carvão para usinas de energia, o Ocidente não consegue garantir que as luzes vão continuar acesas durante o inverno que se aproxima. Mas, mesmo assim, dentro em breve, vai autorizar apenas veículos elétricos. Muitos milhões de veículos elétricos.

Por trás dessa loucura, a população suspeita de corrupção, tanto moral quanto financeira. Sem dúvida os políticos nunca foram exemplares em sua conduta. Mas um desdém perigoso pela classe política se tornou muito predominante. Perigoso porque, por mais que desprezemos os políticos, o homem (como nos disse Aristóteles) é um animal político, e não precisamos nem podemos funcionar sem eles. Com exceção da Suíça, talvez, onde a população não sabe nem o nome do chefe de Estado, que é tão irrelevante para eles quanto o nome da capital do Paraguai é para um cavaleiro mongol.

Só que, quando menosprezamos nossos políticos, logo expressamos um desejo de uma figura providencial, uma espécie de salvador, que acaba nos lembrando de que as situações podem ficar bem piores do que estavam. É por isso que os chamados “não políticos”, ou figuras que posam como “não políticos”, têm hoje maior visibilidade do que nunca nas democracias. Sempre me lembro da resposta que um camponês peruano me deu quando perguntei por que ele tinha votado em Fujimori na eleição que o levou ao poder: “Porque não sei nada sobre ele”. (Na verdade, Fujimori de fato melhorou as coisas. Ou talvez eu devesse dizer que as coisas melhoraram quando ele estava no poder, uma vez que o Sendero Luminoso, o Khmer Vermelho da América do Sul, foi destruído durante seu governo. Um feito que na época foi de uma importância transcendente, mais importante do que qualquer outra coisa.)

A resposta do camponês peruano foi muito instrutiva, sugerindo de fato um profundo pessimismo sobre a qualidade das pessoas que seguiram carreira política no passado: qualquer um é melhor do que eles. Isso não é verdade porque, com pouquíssimas exceções, sempre existe alguém pior. Mas, mesmo assim, a atitude é compreensível.

O vento não sopra o tempo todo

Alguma noção das coisas é muito necessária, tanto em questões pessoais quanto políticas, porque sem noção as reações catastróficas se tornam prováveis. Em meio à insatisfação, é difícil fazer isso. E estamos sempre insatisfeitos, porque a insatisfação é uma condição permanente da humanidade. Quer seja mais perigoso pensar que nada pode melhorar ou que nada pode piorar é uma questão a ser debatida, provavelmente sem uma conclusão definitiva. Algumas pessoas valorizam mais evitar o mal do que promover o bem, e nenhum está sempre correto.

No momento, promover o bem, ou o suposto bem, parece estar em ascendência. Aliás, os promotores do bem estão tão encantados com a benevolência de suas próprias intenções que não dão conta de enxergar as consequências imprevistas de suas ações ou políticas: é provável que a própria ideia de consequências imprevistas seja algo desconhecido para sua forma de pensar.

Por exemplo: na Europa, o interior foi salpicado com enormes turbinas de vento. Quando os Savonarolas (uma referência ao padre italiano Girolamo Savonarola, que viveu entre 1452 e 1498 e se tornou famoso por seus sermões apocalíticos na cidade de Florença) da ecologia olham para elas, não veem feiura nem destruição da beleza visual do campo. Eles tampouco ouvem os rangidos. Também não pensam na morte cruel dos pássaros que ficam presos nela. Na verdade, eles pensam e quase enxergam, ou acham que enxergam, a suposta redução nas emissões de dióxido de carbono que essas monstruosidades supostamente geram.

Quer elas façam isso ou não, ou quer elas apenas transfiram o custo ecológico para outro lugar (para a China, por exemplo, onde a maior parte das turbinas eólicas é fabricada) sem dúvida é uma questão complexa, que a maioria desses Savonarolas não considerou nem é capaz de considerar — assim como, aliás, eu também não sou. Os Savonarolas estão encantados com a pureza de suas próprias intenções.

De toda forma, o vento não sopra o tempo todo, nem mesmo no Mar do Norte, de modo que nenhum país pode contar totalmente com essas turbinas para o seu fornecimento de energia. Alguma outra fonte precisa ser encontrada para desempenhar a função de backup quando as turbinas eólicas estiverem paradas.

Parece que a única solução é abrir mão da eletricidade e da calefação às pessoas comuns num país frio

Infelizmente, todas as outras formas de gerar eletricidade, com exceção da energia solar recaem sob a interdição ecológica. (O Sol não brilha sempre, e os painéis solares também são produzidos na China, sem dúvida de forma poluente). Dessas opções, o carvão é a pior. Mas o petróleo e o gás natural são igualmente condenáveis. A geração de energia nuclear está propensa a acidentes cujas consequências seriam incalculáveis. O potencial da energia hidrelétrica é limitado em muitos países, além disso, ela também tem efeitos ecológicos nocivos.

Assim, parece que a única solução é abrir mão da eletricidade e da calefação às pessoas comuns num país frio, ainda que as populações não fiquem totalmente felizes nem agradecidas em não alimentar aparelhos eletroeletrônicos, quanto mais congelar no escuro.

Enquanto se restringe, a China — o maior gerador de poluição de todos os tipos do mundo — explora seus interesses nacionais, sem dúvida se divertindo com o espetáculo do Ocidente. E o Ocidente se torna cada vez mais dependente dela em todas as suas formas de consumo, graças a uma espécie de raciocínio louco e utópico, do tipo que as universidades há tempos tentam infundir na juventude.

Quanto aos veículos elétricos, não conheço ninguém que não acredite que sua adoção no Ocidente seja resultado de um lobby político corrupto da indústria, em vez de qualquer preocupação com o bem-estar do meio ambiente ou com o clima (não que o fato de que não conhecer ninguém que não acredite nisso seja evidência de que é verdade). Mesmo que essa crença seja falsa, o potencial para uma grave instabilidade caso a classe política insista que as pessoas relativamente pobres comprem carros elétricos caros é bastante considerável. E então o governo chinês poderá dizer, como já diz, que o modelo autoritário provou ser amplamente superior à nossa democracia. E talvez a nossa população comece a acreditar nisso.

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14 comentários
  1. Jedeson Jose de Faveri
    Jedeson Jose de Faveri

    se alguém contasse isso a em 1950, seria considerado uma obra de ficção, porém hoje é a realidade que vivemos, o que restará do Ocidente?

  2. Sinzaburo Paulo Ogawa
    Sinzaburo Paulo Ogawa

    Análise perfeita.
    Teremos que estudar o que está acontecendo com a pandemia atual: Óbitos/100.000 na China X Òbitos por 100.000 no Ocidente e nos EUA. Qual é a explicação para tanta diferença?

  3. Urias Roberto da Silva
    Urias Roberto da Silva

    Vendem um mundo “limpinho”, com a sujeira toda varrida para baixo do tapete da China.

  4. Robson Oliveira Aires
    Robson Oliveira Aires

    Perfeito. Disse tudo. Parabéns.

  5. Daniel BG
    Daniel BG

    Artigo de primeira, porém muito triste constatarmos que concordamos com tudo que está escrito.
    Triste compararmos um tempo onde o homem predador ainda não tinha capacidade de matar tantos animais como hoje em dia e como isso se torna cada vez mais irreversível.
    Ainda hoje escutei sobre um empresário que abre resorts e que está aplicando em Cuba. Afinal esgotar um pouco mais os recursos naturais gera sempre um pouco mais de lucro e ter mão de obra escrava, então, faz os lucros serem muito mais vantajosos.
    Se de um lado temos, por exemplo, a China fazendo propaganda de sua ditadura assassina, por outro temos empreendedores piratas aos quais o lucro selvagem, que remontam àqueles do fim do século XIX, fala acima de tudo.

  6. Gustavo G. Junior
    Gustavo G. Junior

    A desunião Ocidental é a vitória e ascensão do Oriente. Enqto ecoradicais se matam por aqui (Ocidente) por devaneios extremos, as turbinas chinesas motivas a petróleo e carvão dãaaao risada e os bolsos dos chineses, riem + ainda.

  7. Carmo Augusto Vicentini
    Carmo Augusto Vicentini

    Estupendo como sempre.

  8. Alexandre Silva
    Alexandre Silva

    Exatamente. Texto muito preciso.

  9. Otacílio Cordeiro Da Silva
    Otacílio Cordeiro Da Silva

    É isso aí mesmo Theodore. Palavras bem pensadas, palavras bem ditas. O Ocidente anda brincando de dar cambalhotas pra doido rir, mas o abismo fica mesmo ali.

  10. Luzia Helena Lacetda Nunes Da Silva
    Luzia Helena Lacetda Nunes Da Silva

    Brilhante, como sempre.

  11. Marco Polo Gerard Bondim
    Marco Polo Gerard Bondim

    O inserto abaixo extraído do texto sintetiza, creio, que 90% de nossos problemas, problemas esses cuja origem se deu ainda antes da Constituinte, via lobby de procuradores juntos aos constituintes para que a Constituição de 1988 lhes permitisse se tornarem os agentes das mudanças sociais!

    Essa loucura permitida por nossa Constituição abriu espaços para a liberdade de ações dos ungidos esquerdistas com o apoio do Judiciário a ponto de nos encontramos sob um atuante Ativismo Judicial que, de fato, segura e permite essa loucura de circunstâncias contra a realidade factual e com sérios prejuízos às sociedades ocidentais; não sendo exceção aqui para o Brasil:

    =>”No momento, promover o bem, ou o suposto bem, parece estar em ascendência. Aliás, os promotores do bem estão tão encantados com a benevolência de suas próprias intenções que não dão conta de enxergar as consequências imprevistas de suas ações ou políticas: é provável que a própria ideia de consequências imprevistas seja algo desconhecido para sua forma de pensar.”<=.

  12. Luiz Carlos Pinto Martins
    Luiz Carlos Pinto Martins

    Faltou dizer quais são as externalidades negativas da hidroeletricidade. No mais, muito lúcido, como sempre.

  13. Renato Ramos De Carvalho
    Renato Ramos De Carvalho

    Excelente artigo de Darimple. Um homem que enxerga muito além do espesso “fog” provocado pelo consórcio mundial para destruição da civilização ocidental, formado por globalistas, comunistas, milhões de idiotas úteis com significativo apoio da mídia tradicional e das Big Tecs. Resultado: vaje a pena ser assinante da Revista Oeste.

  14. Roberto Fakir
    Roberto Fakir

    O que hoje vejo é: se a China decidir atacar o Brasil com armas de grande impacto nossas grandes capitais e reservar a parte agrícola e pecuária para eles, a Merkel, o Biden, a Greta, o Gates, Zuckerberg, Soros etc. irão dizer que os chineses mataram metade dos brasileiros por um bem maior. Que isso foi para o bem da humanidade. E assim, todo o planeta entenderá. Infelizmente é assim ou teremos nós mesmos que matar a metade de nossa população por uma briga que dizem ser “POLARIZADA”. 1984.

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