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Edição 28

O declínio do conservadorismo?

Bruno Garschagen
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É quase impossível terminar a leitura do livro Small Men on the Wrong Side of History: The Decline, Fall and Unlikely Return of Conservatism (Constable, 2020), de Ed West, sem considerar que o conservadorismo britânico está em franco declínio e é caso perdido.

West apresenta um diagnóstico exasperante, em parte suavizado pelo singular humor inglês. A partir de dados e de sua experiência pessoal, o jornalista mostra que as instituições sociais, políticas e econômicas mais influentes de seu país estão tomadas pela esquerda e que a maior parte da juventude foi seduzida pelo “progressismo identitário”. O conservadorismo, por outro lado, ainda resiste por conta de pessoas adultas e de meia-idade.

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Se, ao envelhecerem, os jovens não romperem o compromisso ideológico, alerta West, haverá poucos conservadores vivos para contar a história — e beber a última pint no pub. Situação curiosa esta em que o futuro do conservadorismo também está nas mãos da demografia, assim como está nas mãos das mulheres britânicas jovens, que têm se tornado mais de esquerda do que os homens.

Duas questões levantadas por West em seu livro rendem um bom debate: afinal, o conservadorismo está vivendo seu ocaso? Os conservadores estão perdendo a batalha cultural?

É inegável o fato de que o ambiente cultural, jornalístico, intelectual e político nos países ocidentais, e não apenas no Reino Unido, é hostil aos conservadores. West diz mais: afirma com dados que a atmosfera está mais adversa do que jamais foi. Não nego a constatação, mas há algo a observar e que vale para os países ocidentais: durante décadas a esquerda falou sozinha, trabalhou e ocupou espaços sem ser importunada.

“Se olhares demasiado tempo dentro de um abismo, o abismo acabará por olhar dentro de ti”

Tirando os conservadores que estavam na linha de frente da batalha intelectual e política, a sociedade não se deu conta do que estava a se passar e, a bem da verdade, não estava lá muito preocupada com isso. No passado recente, a ocupação e a atuação da esquerda passavam completamente despercebidas. Hoje o ecossistema mudou: boa parte das pessoas tomou consciência do que estava acontecendo e passou a reagir, e agora com um instrumento novo e poderoso: as redes sociais.

Quem se dedicar à insalubre tarefa de monitorar seus compatriotas nas redes sociais durante alguns dias perceberá que a quantidade de conservadores engajados rivaliza ou é superior numericamente aos representantes da esquerda. A própria reação violenta e autoritária da esquerda mostra não apenas a substância das ideias que defende, mas a percepção de que a sociedade mudou e não está mais passiva.

Ao que parece, e contrariando a tese de West, não será pela quantidade de pessoas que o conservadorismo perecerá. Até porque o perfil do público que tem se tornado conservador mudou de certa tradicional elite econômica e intelectual para o povão que até outro dia votava nos trabalhistas.

O problema é que o povão tem voto, mas não tem poder. Quando verificamos quem o detém nas instituições culturais, políticas, econômicas, acadêmicas, midiáticas, o jogo vira e o desespero se instala.

Há um problema adicional: conservadores não aceitam jogar o jogo da esquerda; não estão dispostos a fazer tudo o que a esquerda faz para conquistar o que conquistaram. Isso tem um custo, mas eles estão certos. Caso contrário, se mimetizassem a conduta da esquerda, deixariam de ser conservadores.

Para combater socialistas ou conquistar espaços, não é preciso tornar-se uma esquerda que finge ser conservadora. Podem-se usar mil justificativas para reproduzir a estratégia do adversário contra ele, mas o resultado será necessariamente neutralizar o conservadorismo ao converter-se num espelho do inimigo. Por essa razão, o alerta do filósofo alemão Friedrich Nietzsche (1844-1900) em Além do Bem e do Mal (Companhia das Letras, 2011) deve ser decorado por todo e qualquer conservador: “Quem deve enfrentar monstros deve permanecer atento para não se tornar também um monstro. Se olhares demasiado tempo dentro de um abismo, o abismo acabará por olhar dentro de ti”.

Não sou ingênuo para achar que se deve tratar com cavalheirismo quem nos ameaça com violência

O que fazer, então? Ou melhor, como fazer? Trabalhar, encontrar respostas, definir caminhos, lutar com vigor e coragem por meio de instrumentos intelectuais, políticos, econômicos adequados ao pensamento conservador.

Se as universidades estão dominadas por gente de esquerda ou por covardes, façamos um trabalho sério e qualitativo para ocupar espaços na chefia dos departamentos, na burocracia, na docência, na pesquisa. Se a cultura está dominada por gente de esquerda ou por covardes, façamos um trabalho sério e qualitativo para criar e produzir arte popular e erudita. Se a política está dominada por gente de esquerda ou por covardes, façamos um trabalho sério e qualitativo para aprimorar nossa cultura política e formar pessoas para ocupar espaços de poder.

Não sou ingênuo para achar que se deve tratar com cavalheirismo quem nos ameaça com violência moral ou física. Um das muitas e valiosas lições que aprendi no jiu-jítsu foi usar a autodefesa de forma eficiente para repelir agressões e usar a força do agressor contra ele. Defendo a ideia de que a reação seja vigorosa e virtuosa — sem, entretanto, um vício de origem que a macule. É, sim, possível. Só que exige mais labor e inteligência.

Trabalho é o que não falta e temos hoje a vantagem de ter um número crescente de pessoas interessadas no conservadorismo e com vontade de trabalhar e mudar o ambiente, de lutar e impedir que um grupo dite o que pensamos, o que fazemos e tente nos converter à sua imagem e semelhança.

Discordo de West de que o conservadorismo está vivendo um ocaso. Creio que no Reino Unido e em outros países esteja havendo um processo de adaptação do conservadorismo aos novos tempos e de reconfiguração da própria atuação política que o caracterizou até agora. Essa mudança, certamente, terá impacto na batalha cultural, que a esquerda ganhou por não comparecimento do adversário. No caso da Inglaterra, estou bastante curioso para saber se Boris Johnson, como se tem especulado, indicará para comandar a BBC o jornalista conservador Charles Moore, que construiu uma sólida carreira e é autor da biografia oficial de Margaret Thatcher.

 O livro de West, contagiante em seu pessimismo, não inova no diagnóstico nem nos exemplos, mas tem a virtude de ser bem escrito e bem-humorado, ao descrever o processo de “declínio do conservadorismo britânico” a partir de sua experiência pessoal, e de ratificar pontos que continuam sendo relevantes para os conservadores, tais como os princípios que os norteiam, a relevância de intelectuais conservadores que atuem como bússolas, a importância de ser protagonista nos espaços de influência.

Mais elogiável em Small Men on the Wrong Side of History é que o livro serve como uma espécie de manual para que conservadores de diferentes países entendam por que a esquerda foi tão eficaz em seu projeto político e o que devem fazer para usar o declínio como aprendizado para uma nova ascensão.

Do mesmo articulista, leia também o artigo “Conservadorismo contra os radicalismos”


Bruno Garschagen é cientista político, mestre e doutorando em Ciência Política no Instituto de Estudos Políticos da Universidade Católica Portuguesa (Lisboa) e autor dos best-sellers Pare de Acreditar no Governo e Direitos Máximos, Deveres Mínimos (Editora Record).

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