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Edição 28

O debate caótico e o futuro dos EUA

Ao menos está claro que a disputa é entre o incendiário do Twitter e os incendiários da vida real

Ana Paula Henkel
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Um desastre do início ao fim. Esse poderia ser o resumo do debate presidencial mais aguardado das últimas décadas. Em jogo, a cadeira atrás da famosa Resolute Desk do Salão Oval da Casa Branca e o posto de homem mais poderoso do planeta. O encontro mais esperado dos últimos anos aconteceu nesta semana entre o presidente norte-americano Donald Trump, que busca a reeleição em novembro, e seu oponente democrata, Joe Biden.

Para uma nação tão dividida — parte do legado de um dos piores presidentes da história, Barack Obama —, há muito mais em jogo do que a retórica bipartidária entre republicanos e democratas. Depois de serem empurrados para uma esquerda extrema e radical, com políticas que John F. Kennedy jamais imaginaria que passariam na porta de seu partido — aumento de impostos, enfraquecimento das corporações policiais e legalização do aborto em qualquer fase da gestação, por exemplo —, os democratas lutam para manter os votos das ditas minorias em seu território.

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Para os republicanos, que tinham a reeleição praticamente garantida, principalmente pelos números econômicos mais expressivos da história antes do coronavirus, a pandemia não trouxe apenas terríveis mortes, mas incertezas para muitos eleitores independentes que votaram contra Hillary Clinton em 2016. O atual morador da Casa Branca e sua equipe têm de, ao mesmo tempo, conduzir um país no meio de uma pandemia avassaladora e convencer os americanos de que Trump pode repetir o feito de fortalecer a economia como poucas vezes na história.

A semana na política norte-americana foi agitada. Depois da morte da juíza Ruth Ginsburg, na semana passada, Donald Trump nomeou a juíza Amy Coney Barrett para a Suprema Corte, pondo mais combustível na relação já em total combustão com os democratas, que acreditam que essa nomeação deveria ser feita pelo presidente que sairá das eleições em novembro. Mas, como a própria Ruth Ginsburg declarou em uma entrevista em 2016, “um presidente é eleito por quatro anos, não três”, referindo-se ao fato de que naquele ano os senadores republicanos, que detinham maioria absoluta no Senado, não votaram para aprovar o nome indicado por Barack Obama para a Suprema Corte.

Para Biden, o grupo terrorista Antifa “é uma ideia, não uma organização”

Amy Coney Barrett é a terceira indicada de Donald Trump para a Suprema Corte, um feito gigantesco para eleitores conservadores — tanto para os fãs do presidente malcriado do Twitter quanto para os que votaram nele em 2016 apenas com esse objetivo. Depois de duas nomeações brutal e injustamente atacadas pelos democratas, com direito a covardes tentativas de assassinato de reputação, Neil Gorsuch e Brett Kavanaugh foram confirmados, fazendo pesar a balança a favor dos conservadores na Corte, para a felicidade daqueles que apreciam a aplicação das leis sem interpretações modernas ou ativismos.

A sabatina no Senado para a aprovação de Amy Barrett começará em breve e, diferentemente de Brett Kavanaugh, que, com reputação ilibada e imenso saber jurídico, foi acusado cruelmente pelos democratas de ter tomado parte de um estupro coletivo quando tinha 18 anos, não há muito território para ataques a ela. A ex-assistente de Antonin Scalia, bússola jurídica para norte-americanos de todas as ideologias e vertentes políticas, é mulher, católica, tem sete filhos (dois adotados no Haiti) e é elogiada por vários outros juízes e professores pelas decisões técnicas e enxutas ao longo de sua carreira. O ataque ad hominem, tão usado atualmente pela desesperada esquerda no mundo, pode ser arriscado se realizado contra Amy. No início da semana, alguns nomes ligados ao Partido Democrata tentaram atacar sua fé religiosa, em vã tentativa de manchar seu nome, mas logo viram que a estratégia poderia ser um tiro no pé.

Sem muita munição para atacar uma mulher, os holofotes e as acusações então se voltaram para o primeiro debate entre Trump e Biden. Como já mencionei, o debate foi um desastre do início ao fim, com trocas de acusações e interrupções. Para aquele eleitor indeciso, se ainda houver indecisos, o pêndulo não deve ter se mexido muito.

O presidente falhou no que vem sendo um diferencial em seus quase quatro anos como governante. Um dos pontos altos de Trump, a sinceridade, pode tê-lo atrapalhado desta vez. Ele falou demais. Não que tenha falado bobagens, até apontou feitos significativos de sua administração, jogou frases impactantes e desconcertantes em seu adversário, mencionou o possível esquema de corrupção do ex-vice de Obama, mas não deixou Biden falar.

Além da enorme e clara dificuldade em se comunicar com coerência em suas entrevistas, Joe Biden está no centro de uma ruptura sem precedentes em seu partido e busca agradar a uma ala moderada ao mesmo tempo que precisa do votos do contingente que se encaixaria no Psol no Brasil. Não tem sido tarefa fácil. Em uma troca de frases sobre saúde durante o debate presidencial de terça-feira à noite, o ex-vice-presidente Joe Biden declarou: “Eu sou o Partido Democrata!”.

A frase chama atenção porque o desempenho de Biden demonstrou que isso não é real. Na verdade, Biden tem tanto medo do próprio partido — e é tão intimidado pela ala esquerda radical dominante — que não consegue responder com sinceridade a perguntas básicas sobre sua posição em questões políticas importantes, nem mesmo quando é posto contra a parede em um debate em cadeia nacional.

Quando pressionado para expressar apoio à lei e à ordem e condenar o Antifa — grupo terrorista doméstico que vem incendiando, literalmente, cidades por todo o país —, Biden relutou em dizer qualquer coisa que irritasse os democratas da esquerda marxista. A tal ponto que, quando instado a condenar o Antifa, respondeu, absurdamente, que “o Antifa é uma ideia, não uma organização”. Tentou argumentar que o verdadeiro problema com toda a agitação na sociedade tem origem nas milícias de grupos de supremacistas brancos.

Não me importo mais com o jeito nada presidenciável do bufão laranja, não aprendi a apreciar Trump por achá-lo simpático

Sobre a lei e a ordem, palavras que Trump pediu que ele repetisse, Biden preferiu usar os chavões da esquerda radical: “Há injustiça sistêmica neste país, na educação e no trabalho e na aplicação da lei”. Mostrou total deferência a organizações como o Black Lives Matter. Mais tarde, no entanto, ele se contradisse, afirmando que os policiais são, em sua maioria, “homens e mulheres bons, decentes e honrados” e o problema é que “há algumas maçãs podres”. Como uma reflexão tardia, um eco do que Biden talvez costumava pensar, ele arriscou não agradar a parte dos devotos do grupo marxista BLM.

Sobre o utópico Green New Deal, um plano tão bizarro quanto a guinada de um partido até então moderado para a extrema esquerda, Biden insistiu que não o apoia e não é sua ideia implementá-lo, embora seu site de campanha cite o projeto como uma “estrutura crucial para enfrentar os desafios climáticos atuais”. O Green New Deal foi elaborado em consulta com a campanha do senador socialista Bernie Sanders, candidato da esquerda radical que perdeu nas primárias democratas. Tudo isso para que o eleitorado de Sanders, nada moderado, fosse convencido a votar em Biden.

Donald Trump não esteve nem perto de suas melhores performances como nos rallys que tem feito pelo país, nos quais foca as conquistas de sua administração, que não são poucas. Não, não me importo mais com o jeito nada presidenciável do bufão laranja, não aprendi a apreciar Trump por achá-lo simpático ou parecer ser um bom amigo, mas por ser um bom gestor. Menos fígado, mais cérebro.

E talvez tenha sido por isso que o debate de terça-feira em Cleveland tenha sido tão ruim. Só houve fígado. Para republicanos cansados de ignorar as provocações da esquerda e que pediram por um Trump com luvas de boxe, ele estava lá. E nada mudou para os que não votaram e não votarão no malcriado do Twitter, mas em um CEO que pode reaquecer a economia devastada pela pandemia, em um presidente que sela acordos de paz pelo mundo e enfrenta alianças comerciais ruins para o país, além de encaminhar nomeações conservadoras para a Suprema Corte.

Já para democratas, o debate de terça-feira foi apenas o exemplo mais recente da longa marcha de Biden para a esquerda radical. Ele pode alegar tudo o que quiser, inclusive que ele próprio é o Partido Democrata, mas suas posições constantemente deslocadas para a extrema esquerda, em tudo, do aborto à Justiça criminal, sugerem que os esquerdistas mais ardentes de seu partido estão liderando Biden, e não o contrário.

Em 3 de novembro, o mundo estará de olho nos Estados Unidos para ver se os americanos decidirão pelo incendiário do Twitter ou pelos incendiários da vida real.

Sobre o debate eleitoral nos Estados Unidos, leia também nesta edição:
“Debate para quem precisa”, de Guilherme Fiuza
“O crescente radicalismo democrata”, de Rodrigo Constantino

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