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O medalhista de ouro Novak Djokovic, da Sérvia, no pódio | Foto: Reuters/Violeta Santos Moura
Edição 229

O anti-herói de Paris

Vencedor de todos os títulos possíveis no tênis, o sérvio Novak Djokovic faz a patrulha politicamente correta se dobrar à genialidade do campeão

Silvio Navarro
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Aos 37 anos, o sérvio Novak Djokovic entrou na quadra principal dos Jogos de Paris, uma espécie de templo do esporte onde se disputa o torneio de Roland Garros, como o tenista mais vitorioso em atividade no mundo. A coleção de títulos, troféus e recordes é tamanha que torna qualquer parágrafo extenso demais (veja o quadro mais adiante). Mas faltava uma conquista: a medalha de ouro — que chegou no domingo, ironicamente numa edição olímpica marcada por tudo aquilo que ele não representa.

Djokovic derrotou o espanhol Carlos Alcaraz, 16 anos mais novo, prodígio da nova geração do circuito, por 2 sets a 0. Ocorre que havia mais coisas em jogo naquele piso de saibro por causa de toda a patrulha do politicamente correto — ou woke, ou esquerda progressista moderna, entre outras denominações. Tanto faz. Dentro e fora das quadras, ele é uma espécie de antítese ao recado que a cerimônia de abertura da competição transmitiu — a qual será lembrada pelo deboche dos valores judaico-cristãos.

Há cerca de quatro anos, “Djoko” ou “Nole” é perseguido por boa parte da imprensa e pelos burocratas de confederações porque não se vacinou contra a covid-19. Foi proibido de disputar torneios importantes, como o US Open, e chegou a ser deportado da Austrália. Também se recusou a obedecer à proibição do Comitê Olímpico Internacional (COI) sobre manifestações religiosas em quadra — cristão, ele não só faz o sinal da cruz durante os jogos, como carrega um crucifixo no peito. Ao vencer suas disputas, costuma comemorar nos braços da família, que o acompanha na arquibancada, e defender a imagem do seu país — é extremamente patriota.

No começo de 2022, o episódio australiano foi o mais simbólico da carreira porque o atleta é ídolo no país e foi lá onde ganhou mais títulos importantes — venceu dez vezes o Australian Open. À época, o mundo vivia um dos picos de histeria da covid-19. O tenista foi detido ao desembarcar em Melbourne e precisou ficar isolado num quarto de hotel por dez dias até ser deportado porque não tinha a carteirinha da vacina. O Tribunal Federal da Austrália, o equivalente ao Supremo Tribunal Federal (STF) brasileiro, cancelou seu visto até 2025, mas a punição foi anulada no ano passado.

Os vetos deixaram o atleta de fora de algumas competições, mas não impediram que sua galeria de troféus o colocasse entre os maiores da história: além dele, só Andre Agassi (EUA) e Rafael Nadal (Espanha) ganharam tudo o que é possível. Djokovic, porém, foi quem passou mais tempo como número 1 do ranking até hoje (428 semanas). Além do ouro olímpico, o sérvio faturou 24 torneios Grand Slam (Roland Garros, US Open, Australian Open e Wimbledon), as nove etapas do Masters Series 1000, a Copa Davis e o ATP Finals.

Financeiramente, apesar da resistência de algumas marcas por causa da agenda woke mundial, ele encabeça outro ranking: superou US$ 180 milhões em premiações — obtidos somente com a sua raquete, sem campanhas publicitárias. As principais patrocinadoras são a Lacoste, os tênis Asics e a raquete customizada Head. Com a mulher, ele mantém uma fundação para ajudar crianças. Tem também uma holding familiar que gerencia outros negócios sem alarde — franquias de hotéis, cafés, restaurantes e uma vinícola.

O triunfo olímpico na Quadra Philippe Chatrier ainda teve um elemento de superação física, porque o atleta retornava de uma cirurgia no joelho direito — ele praticamente não jogou neste ano por causa da lesão. Para muitos críticos de tênis, a alta performance aos 37 anos, depois de operar o joelho, faz dele um fenômeno clínico — algumas revistas especializadas escreveram que o ouro em Paris o alçou ao patamar de maior de todos os tempos, opinião compactuada até mesmo pelo rival espanhol Rafael Nadal.

O triunfo olímpico de Novak Djokovic ainda teve um elemento de superação física, porque o atleta retornava de uma cirurgia no joelho direito | Foto: Reuters/Claudia Greco

“Os números dizem que ele é o melhor da história”, disse Nadal ao programa El Objetivo, do seu país. “Para mim, pelo que tenho visto, é ele. Nunca tive problema de ego para dizer as coisas que sinto. Podemos dizer que já me machuquei mais vezes, mas ele tem um físico melhor.”

O mesmo pôde ser ouvido de outras lendas das quadras, como Andre Agassi e demais medalhistas olímpicos. “Existem muitas maneiras de ver as coisas, mas, quando se olha para elas no papel, não se pode contestar o que ele alcançou”, disse Agassi, hoje com 53 anos, em entrevista ao jornal The Australian. “O número de vitórias, confrontos diretos, títulos, as tantas vezes em que foi número 1 do mundo no final do ano. São estatísticas.”

“Acho que esta foi a melhor final possível sob as circunstâncias de todo o torneio olímpico: Alcaraz e Novak — o maior de todos os tempos, contra um jogador que pode potencialmente desafiar os grandes recordes”, afirmou o russo Yevgeny Kafelnikov, medalhista de ouro nos Jogos de Sydney 2000, ao Tennis Majors. “Todos sabíamos que era a única coisa que faltava na carreira de Novak.”

Líder, com personalidade difícil

Mesmo no topo do pódio, Djokovic voltou a ser criticado depois do feito de domingo. De um lado, reapareceu a polícia da pandemia, especialmente os jornalistas esportivos brasileiros, cuja cabeça parou naqueles tempos dos placares macabros de mortos exibidos durante as transmissões na TV. A cada competição desde 2020, a impressão que resta é de que muitos comentaristas nunca mais conseguiram sair daquele lugar.

Mas não foi só o “negacionista da covid” que reapareceu no noticiário. O sérvio frequentemente é criticado pela personalidade forte — principalmente pelas reações explosivas. Não é raro vê-lo arrebentar a raquete depois de falhar num ponto decisivo ou ao se irritar com a arbitragem e a torcida.

O próprio Rafael Nadal já entrou em cena mais de uma vez para defendê-lo publicamente. “Ele é uma boa pessoa, com todos os seus defeitos”, disse o espanhol. “Mas é muito melhor do que parece. A frustração de Novak dura o momento de quebrar a raquete, aí ele está mais uma vez pronto para competir a 100%. É por isso que é quem mais venceu em toda a história do nosso esporte.”

Também foi comparado recentemente pela mídia ao piloto Ayrton Senna, porque, a exemplo do que o brasileiro fazia na Fórmula 1, ele assumiu a frente das queixas dos atletas contra a Associação de Tenistas Profissionais (ATP). “Há uns 400 tenistas que podem viver do tênis. É um dado muito pobre para um esporte tão global como o nosso”, disse. “Eu tenho influência e poder, quero aproveitá-los para melhorar as condições.”

Notícia publicada no GE (2/8/2024) | Foto: Reprodução/GE
Notícia publicada no GE (25/9/2023) | Foto: Reprodução/GE
Notícia publicada no Correio Braziliense (12/6/2023) | Foto: Reprodução/Correio Braziliense

Num brilhante artigo dedicado ao tenista, no ano passado, a agência de notícias francesa France-Presse escreveu: “Ele tem tudo para ser um ídolo: é afável, respeitoso, disponível, engraçado, patriota, bom pai de família, inteligente, educado. Mas é uma pessoa de convicções muito firmes, e isso gera controvérsias”. O texto conclui: “Para uma parte do público, pode soar como arrogância”.

O fato é que, incrivelmente, aos 37 anos Djokovic ainda está na melhor forma física. Nascido em Belgrado, passava o dia numa quadra de tênis porque a escola estava fechada durante a guerra de Kosovo. Dormia num abrigo antiaéreo e acordava para treinar com determinação. Sempre deixou claro que é necessário se preparar melhor do que os demais para se tornar um campeão ilimitado — da alimentação aos estudos (dá entrevistas em seis línguas), da nanotecnologia que monitora seu desempenho ao treinamento para manter o foco. Certa vez, ao ser questionado sobre o dispositivo que usa preso ao peito para registrar as variações do corpo, respondeu: “É porque, quando criança, eu queria ser o Homem de Ferro”.

Goste-se ou não dos seus rompantes, pouco importa: a principal qualidade de Novak Djokovic é que ele se tornou melhor do que os outros no que faz.

Leia também “A celebração da derrota”

16 comentários
  1. Valesca Frois Nassif
    Valesca Frois Nassif

    Excelente artigo. !!!

  2. DONIZETE LOURENCO
    DONIZETE LOURENCO

    Silvio, o livro – O Melhor de Oeste – autografado por você tem lugar reservado na minha estante e será leitura dos meus netos hoje com 4 e 7 anos para entenderem o que o país e o mundo viveram neste tempos esquisitos.
    Este artigo esclarecedor mostrando aos leitores quem é Djokovic, demonstra ser o atleta em nível mundial que mais sofreu perseguições por suas posições políticas.
    Aqueles que não se curvam recebem as recompensas e a admiração do mundo.

  3. Candido Andre Sampaio Toledo Cabral
    Candido Andre Sampaio Toledo Cabral

    Esse André Rizek é mais um fantoche da empatia. Posando para satisfazer a sua emissora, que recebe gordas verbas públicas para pagar seus ganhos. Semelhante ao mau caráter narrador Luis Roberto, aquele que deu chilique porque o SBT venceu a disputa para transmitir uma competição, e ele fingindo ser algo relativo a pandemia para criticar.

    1. Julio José Pinto Eira Velha
      Julio José Pinto Eira Velha

      Rizek além de toda sua imbecolidade, é casado com outra militante da globo, Andrea Sadi, uma total desgraça para o jornalismo político e esportivo.

  4. Luiz Pereira De Castro Junior
    Luiz Pereira De Castro Junior

    Excelente artigo Silvio !

  5. João Choucair Gomes
    João Choucair Gomes

    Artigo excelente.
    Parabéns

    1. Silvio Navarro

      Obrigado, João!

  6. Simone Cristina De Freitas Ruzafa
    Simone Cristina De Freitas Ruzafa

    Navarro, seus textos como sempre, são fantásticos. Lamento que as pessoas que mais poderiam ter acesso à Revista Oeste não podem. Isso por vários motivos, a grande maioria dos brasileiros não leem, especialmente a maioria dos estudantes(sou professora e tenho conhecimento da causa), além de não terem condições de comprar livros, embora tenham acesso à internete, mas a leitura não importa para eles. Outro fator determinante para isso é se deixarem influenciar pelas pseudo notícias da TV aberta e pela influência de professores esquerdistas.

    1. Silvio Navarro

      Obrigado pela mensagem, Simone! Eu concordo com a sua avaliação.

  7. Judson Franchi
    Judson Franchi

    Muito adequado, salutar e auspicioso ele ressaltar seus valores religiosos.
    Queira sim, queira não a vida somente se perfaz em grandezas e nobrezas pela excelsa presença do Senhor dos Mundos 🌎.

  8. NOS
    NOS

    É o protótipo da meritocracia. Talvez por isso os idiotas úteis do mundo woke não gostam dele.

  9. Marcia Andrea Zanatta Estrella
    Marcia Andrea Zanatta Estrella

    Um ser humano incrível, dentro e fora das quadras!

  10. MNJM
    MNJM

    Parabéns Silvio. .Um atleta corajoso e de muita personalidade. Um vencedor.

  11. Jair João Andrighetti
    Jair João Andrighetti

    No momento ele é o melhor indiscutivelmente, pode ser superado no futuro? Sim, porque não, mas o melhor dele é fora de quadra, alguém que superou muitas dificuldades e chegou no topo, seus principais adversários tiveram vida muito mais fácil.
    Tem meu total respeito, admiração e torcida, enquanto estiver em quadra vou torcer por ele!

  12. Manoel Ribeiro Soares Neto
    Manoel Ribeiro Soares Neto

    O Brasil está precisando de personagens igual a esse atleta!

  13. Eliel De Torres
    Eliel De Torres

    Magistral

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