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Tropas se aproximam da Praia de Omaha, no "Dia D" (6/6/1944) | Foto: Reprodução/Domínio Público
Edição 220

A liberdade não é de graça

Aqueles bravos homens não estavam ali com um único propósito ou para cumprir quaisquer ambições que a América tivesse de conquista, mas para preservar a liberdade

Ana Paula Henkel
-

Segunda Guerra Mundial
6 de junho de 1944
Litoral da Normandia, na França
7 mil embarcações
11,6 mil aviões
156 mil soldados
20 mil paraquedistas

A Operação Overlord, mais conhecida como o “Dia D” (“D-Day“), foi a maior mobilização militar anfíbia de todos os tempos, a maior iniciada em um único dia, e a maior das Forças Aliadas na Segunda Grande Guerra. Um evento épico, desses que entram para o imaginário coletivo com contornos lendários por sua grandeza global e pelos heroicos feitos dos indivíduos que os tornaram realidade.

Neste 6 de junho de 2024, celebramos os 80 anos da operação que marcou um momento crucial na Segunda Guerra Mundial, quando as Forças Aliadas lançaram uma invasão massiva da França ocupada pelos nazistas. A bravura e o sacrifício dos soldados aliados que participaram da invasão foram amplamente celebrados, e os seus esforços marcaram um ponto de virada na guerra contra a Alemanha de Hitler.

Para termos uma dimensão do tamanho e importância desse evento, no primeiro dia de combate do histórico “Dia D”, estima-se que 10,5 mil combatentes aliados foram mortos, dos quais 6 mil soldados, pilotos e marinheiros americanos.

O sucesso do “Dia D” não se deveu apenas à coragem e determinação das tropas, mas também ao resultado de meses de planejamento e preparação meticulosa. Os Aliados enfrentaram um inimigo formidável nas forças alemãs, que passaram anos fortificando a costa da França com bunkers, minas terrestres e outros obstáculos. Para superar esses desafios, as Forças Aliadas confiaram numa combinação de estratégia militar, inovação tecnológica e táticas de guerra psicológica — incluindo a criação de exércitos falsos, completos com tanques e aviões infláveis, que foram posicionados em locais distantes do local real da invasão. Os Aliados também usaram agentes duplos para fornecer informações falsas aos alemães, aumentando ainda mais a confusão e a incerteza. O “Dia D” selaria o destino de Adolf Hitler. Para a tirania nazista fascista que manteve a maior parte da Europa refém por cinco anos, era agora — finalmente — o começo do fim.

Tanque de perseguição durante desembarque na Normandia, no “Dia D” | Foto: Reprodução/Imperial War Museums

Para tentar derrubar os nazistas na França e dali partir para a liberação da Europa, o general Dwight D. Eisenhower foi designado como comandante supremo. Sua equipe planejou a mobilização para a Normandia por mais de um ano. Na manhã do ataque, o general proferiu uma comovente mensagem aos soldados da Força Expedicionária Aliada:

“Vocês estão prestes a embarcar na Grande Cruzada pela qual lutamos por muitos meses. Os olhos do mundo estão sobre vocês. As esperanças e orações de pessoas amantes da liberdade em todos os lugares marcham com vocês.

Em companhia de nossos bravos Aliados e irmãos de armas em outras frentes, vocês trarão a destruição da máquina de guerra alemã, a eliminação da tirania nazista sobre os povos oprimidos da Europa e a segurança para nós mesmos em um mundo livre. 

Os homens livres do mundo estão marchando juntos para a vitória! Tenho plena confiança em sua coragem, na devoção ao dever e na habilidade na batalha. Boa sorte! E vamos implorar a bênção de Deus Todo-Poderoso sobre este grande e nobre empreendimento.”

As palavras de Eisenhower dão a dimensão da tarefa dada: aqueles bravos homens não estavam ali com um único propósito ou para cumprir quaisquer ambições que a América tivesse de conquista, mas para preservar a liberdade. Muitos desses heróis eram jovens de 19, 20 e poucos anos. Alguns eram garotos ainda, com 16, 17 anos, que mentiram a idade em formulários de alistamento para se juntarem ao exército.

Desembarque na Normandia, no “Dia D” | Foto: Bill Damon/Flickr

Eisenhower sabia da importância e dificuldade da missão pela frente. Os riscos dos desembarques do “Dia D” eram bem conhecidos. As probabilidades de fracasso eram tão iminentes que o general deixou escrita sua carta de renúncia caso o plano falhasse. Se isso acontecesse, os esforços dos Aliados para derrotar a Alemanha Nazista seriam atrasados por pelo menos um ano, resultando no extermínio de milhões de judeus e na morte de incontáveis milhares de soldados. 

E, nas primeiras horas daquele 6 de junho, a invasão pareceu, de fato, que seria um desastre. Assim que os soldados desembarcaram próximo à faixa de areia, as águas imediatamente foram tingidas de vermelho pelo sangue da primeira onda de combatentes atacados.

Mesmo diante das terríveis baixas imediatas, o plano seguiu como imaginado, e os Aliados continuaram a pressionar as defesas alemãs por toda a Normandia. Passadas as primeiras dramáticas horas, os oficiais conseguiram reunir seus homens para continuar avançando. À medida que mais reforços chegavam à costa para apoiar a ofensiva, eles mantinham o moral das tropas alto. Até mesmo os homens que eram resgatados da água, feridos ou em choque, e levados para um navio no mar queriam retornar à praia que haviam acabado de deixar.

Nas páginas da história dos Estados Unidos, o presidente americano da Segunda Grande Guerra Franklin D. Roosevelt é muito criticado por conservadores e liberais por causa de seu intervencionismo econômico depois da Grande Depressão, nos anos 1930. Muitos alegam que seu New Deal, um gigantesco programa governamental, foi contraproducente, prolongando o sofrimento do povo americano. Mas foi durante a Segunda Guerra Mundial que FDR pôde recuperar algum prestígio como um firme e corajoso Commander in Chief, escolhendo os melhores líderes para as tropas aliadas e mostrando absoluto alinhamento com os princípios basilares dos povos livres.

Desembarque na Normandia, no “Dia D” | Foto: Reprodução/Flickr

Assim como Winston Churchill, Roosevelt acreditava que a invasão do “Dia D” era essencial para que a liberdade prosperasse e a civilização cristã — enraizada no respeito inerente e na dignidade de toda a humanidade dada por Deus — fosse salva. E, no memorável discurso de FDR no “Dia D”, isso ficou claro:

“Meus compatriotas americanos, nesta hora excruciante, peço que se juntem a mim em oração: 

Deus Todo-Poderoso, nossos filhos, orgulho de nossa Nação, hoje se empenharam em um colossal esforço, uma luta para preservar nossa República, nossa religião e nossa civilização, e para libertar uma humanidade sofredora. Guie-os de forma reta e verdadeira; dê força aos seus braços, firmeza aos seus corações, firmeza em sua fé. 

Eles precisarão de Tuas bênçãos. Sua estrada será longa e difícil, pois o inimigo é forte. Sabemos que por Tua graça e pela retidão de nossa causa, nossos filhos triunfarão. Alguns nunca retornarão. Abrace-os, Pai, e receba-os, Teus servos heroicos, em Teu reino. 

Todo-Poderoso, dedicamos em Ti nossa fé renovada nesta hora de grande sacrifício. Seja feita a Tua vontade. Amém.”

Hoje, provavelmente, um discurso com essas palavras seria praticamente impossível de ser proferido. As bases religiosas judaico-cristãs do Ocidente e nossa civilização viraram assuntos controversos, assuntos “cancelados” a serem disputados em debates rasos, e não em batalhas. 

Desembarque na Normandia, no “Dia D” | Foto: Reprodução/Flickr

Por “nossa civilização”, Roosevelt quis dizer civilização ocidental — os costumes, hábitos e cultura que nos definem, americanos nas Américas e europeus, e que ao longo dos séculos nos fizeram quem somos hoje. Esses costumes incluem as inegociáveis liberdades e a dignidade inerente de cada ser humano. Sem um entendimento comum dessa herança e de como ela nos liga à Europa livre, parece inteiramente possível que o “Dia D” seja esquecido pelas próximas gerações.

E esse legado está desaparecendo junto com as memórias do que aconteceu naquele dia na Normandia. Muitos desses bravos sobreviventes já nos deixaram, e os que ainda estão conosco já se encontram com quase ou mais de 100 anos. É claro que haverá por mais alguns anos netos cuidando de seus avôs-heróis e propagando essas páginas vitais para nosso entendimento do que é coragem, resiliência, ação, companheirismo, comprometimento, disciplina, fé. Pois que também sejamos “netos adotivos” desses grandes homens, para que possamos manter aquecidas as memórias das gloriosas façanhas de 6 de junho de 1944 e das preciosas lições que deixaram.

As liberdades desfrutadas por aqueles que vivem em democracias hoje só são possíveis devido aos riscos assumidos e aos sacrifícios feitos por aqueles que lutaram, literalmente, por elas

Por mais que estejamos vivendo um momento complicado em nossa história, neste fim de semana pare por alguns minutos, converse com os filhos e netos sobre história, dê uma chegadinha com a sua família ali no YouTube ou na Netflix e digite na barra de pesquisa: “D-Day”. Nenhum texto ou artigo jamais fará justiça às imagens que verão juntos — imagens de soldados que representaram a humanidade em seu momento mais nobre, mais valente e mais altruísta. Acima de tudo, porque viveram sua fé em ação, como em João 15:13 da própria Bíblia que muitos carregavam: “Ninguém tem maior amor do que aquele que dá a sua vida pelos seus amigos.”

Homens do 4º Comando são preparados pelo tenente-coronel R. Dawson para o “Dia D” | Foto: Reprodução/Imperial War Museums

A origem do ditado “Freedom is not free” (“A liberdade não é de graça”) é creditada ao coronel aposentado da Força Aérea dos Estados Unidos Walter Hitchcock, mas o axioma usado vastamente pelo povo norte-americano tem como objetivo expressar gratidão pelos serviços prestados por todos nas Forças Armadas do país, exatamente pela obviedade da frase. As liberdades desfrutadas por aqueles que vivem em democracias hoje só são possíveis devido aos riscos assumidos e aos sacrifícios feitos por aqueles que lutaram, literalmente, por elas.

“Freedom is not free” é a síntese de algo extremamente importante para todos que lutaram em guerras por nossas liberdades, mas deveria ser imensamente mais importante para todos nós.

Em 6 de junho de 1944, o mundo conheceu a maior de todas as gerações, e cabe a todos nós reverenciá-la para todo o sempre.

Leia também “Uma elite desconectada da realidade”

15 comentários
  1. Olívia Mattos
    Olívia Mattos

    Maravilhoso esse texto. Parabéns 👏👏

  2. Herbert Gomes Barca
    Herbert Gomes Barca

    justa homenagem ! que heróis que geração de ouro , tínhamos que nos espelhar nesses bravos do “D-Day”

  3. Antônio Carlos Lazarini da Fonseca
    Antônio Carlos Lazarini da Fonseca

    Parabéns aos heróis do dia D.

  4. Sergio Luiz Greenfield
    Sergio Luiz Greenfield

    Magnífica homenagem.
    Lapidar definição.
    Parabéns Ana Paula Henkel

  5. Raimundo Rabelo Lucas
    Raimundo Rabelo Lucas

    Parabéns Ana Paula Henkel, pela maravilha de texto.

  6. Erasmo Silvestre da Silva
    Erasmo Silvestre da Silva

    Ana, abrimos nossos corações juntos com você para receber todo sentimento de liberdade e patriotismo e para abrir os olhos dos ladrões comunistas que estão no poder, porque eles não são brasileiros

  7. Djalmir Caparroz Salas
    Djalmir Caparroz Salas

    Antes morto na terra mas vivo e livre nos braços de DEUS do que vivo na terra e escravo nas mãos do demónio.

  8. Derlei Do Carmo
    Derlei Do Carmo

    Gostei muito do texto.
    Resgatou um momento histórico que foi decisivo para garantir a liberdade no ocidente.

  9. Francisco de Assis Bonfati
    Francisco de Assis Bonfati

    Freedom is not free!

  10. Alessandro Nogueira Silva
    Alessandro Nogueira Silva

    Quem manda jovens morrerem na guerra sempre está sentado em escritórios apreciando um scotch. Outra coisa: vários combatentes são abandonados nas ruas quando voltam das guerras patrocinadas pelo governo, vivem como homeless nas calçadas das cidades “bacanas” da América. Às vezes é necessário dizer o óbvio, mas o óbvio nada tem de heroico ou glamuroso.

  11. Leonardo de Almeida Queiroz
    Leonardo de Almeida Queiroz

    Belissimo e emocionante artigo , mas é preciso lembrar o quanto Roosevelt relutou em juntar forças aos britanicos , só o fazendo após o bombardeio de Pearl Harbor pelos japoneses. Por muito tempo Churchil implorou que ele tomasse essa decisao, que poderia ter poupado milhares de vidas

  12. Marcelo Pinto
    Marcelo Pinto

    Esse texto é muito importante, principalmente quando a nossa liberdade vem sendo roubada . Esse texto fez vir a minha memória cenas do filme “O resgate do soldado Rayan”, onde na cena final do filme o personagem representado por Tom Hanks após atingido e antes de morrer diz para o Rayan…. “Faça por merecer”. Hoje todos nós devemos fazer por merecer todo esse sacrifício. Ana Paula, parabéns por esse artigo.

  13. Clair scheffer da luz
    Clair scheffer da luz

    Maravilhoso artigo. Uma aula de história principalmente para os mais jovens.

  14. Guilherme Marchiori de Assis
    Guilherme Marchiori de Assis

    Esses soldados merecem nossa consideração e respeito. Deus os abençoe!

  15. RODRIGO DE SOUZA COSTA
    RODRIGO DE SOUZA COSTA

    Emocionante e necessário artigo, principalmente no momento em que jovens agraciados com conforto e liberdade se enamoram de idéias autoritárias e antissemitas, justamente o que causou essa catástrofe que ceifou a vida de tantos jovens promissores.

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