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Fernando Haddad, ministro da Fazenda, no Fórum Econômico Mundial, em Davos, na Suíça | Foto: Arnd Wiegmann/Reuters
Edição 215

Uma pergunta sem resposta

O time econômico do governo não está apenas deixando de fazer o que deveria ser feito. Está fazendo exatamente o que não deveria ser feito

Ubiratan Jorge Iorio
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Há poucos dias, durante uma palestra, fiz uma pergunta simples — que, na verdade, era um desafio: “Alguma alma de reconhecida boa vontade pode citar alguma medida correta ou consistente, tomada pelo ministro da Fazenda e sua equipe, nesses 16 meses em que ocupa o cargo?”. E emendei, tentando animar os presentes: “Uma só, umazinha que seja, vamos lá, quem se arrisca?”.

O silêncio que se seguiu foi tonitruante, retumbante e estrepitoso, mas, simultaneamente, taciturno, triste e assustador. Com a devida autorização da boa e velha retórica, posso afirmar que dava para ouvir, vindo da sala ao lado do auditório, o zumbir de uma mosca atrevida perdida, ao mesmo tempo que percebi imediatamente a perplexidade dos presentes, que pareciam buscar alguma resposta capaz de atender satisfatoriamente à minha provocação, como se algum som lhes estivesse querendo sair — mas sem ter como — da garganta.

Caríssimos leitores, como economista e como brasileiro, é realmente triste afirmar isso, mas a pergunta que formulei simplesmente não pode ser respondida. É impossível, para qualquer indivíduo dotado de conhecimentos mínimos de economia ou, simplesmente, dotado de inteligência suficiente para extrair lições úteis da escola da vida, mesmo com bastante boa vontade e espírito colaborativo, detectar algo de bom ou encontrar qualquer coisa minimamente aproveitável na gestão econômica atual.

Ilustração: Shutterstock

Ascende da alma uma inevitável indignação quando sabemos que o time econômico do governo não está apenas deixando de fazer o que deveria ser feito, mas — o que é ainda pior — fazendo exatamente o que não deveria ser feito, repetindo e amplificando os mesmos erros crassos cometidos no passado, que levaram a economia do país à estagnação, com raríssimos voos de galinha impulsionados por déficits e inflação e abortados por desemprego e recessão.

Até nossas queridíssimas avós, amadurecidas pelos ensinamentos que somente a experiência proporciona, sabem recitar de cor e salteado o resumo do que deveria ser feito: basicamente, controlar os gastos públicos, diminuir a carga tributária, esforçar-se para reduzir o endividamento do governo ao longo do tempo, simplificar o sistema tributário e empenhar-se na aprovação de leis que possam contribuir para aumentar a produtividade. Mas o que vêm fazendo o ministro Haddad e seus acólitos? Ora, exatamente o oposto: aumentar irresponsavelmente os gastos, avançar impiedosamente sobre os pagadores de impostos e tomar medidas que seguramente tendem a aumentar os custos de produção, diminuir a produtividade e complicar a vida dos que trabalham e produzem. 

A frustração é forte, mas sem qualquer surpresa, a não ser para certos “liberais” e “conservadores” — em sua maioria economistas tucanos — que, por simples birra com o governo anterior, ou por velhas rivalidades com o ex-ministro Paulo Guedes que remontam aos tempos trevosos dos congelamentos de preços, ou, simplesmente, porque fazem parte do conhecido sistema patrimonialista de poder que vem sugando o sangue do país há muitos anos, agora fazem pose de chocados com os fracassos que a mediocridade do governo vem impondo à economia e que já não podem mais ser ignorados nem escondidos.

Ilustração: Shutterstock

Alguns desses arremedos caricatos de “Madalenas arrependidas” têm até boa formação teórica (outros, nem tanto), mas o fato é que a maioria deles era tecnicamente capaz de prever o colapso que começa a se avizinhar. Entretanto, movidos por inveja, ou despeito, ou vaidade, ou interesses políticos pessoais, ou qualquer outro sentimento pouco louvável, preferiram apoiar a candidatura que acabou vitoriosa nas urnas eletrônicas.

A política econômica atual reflete fielmente a visão de mundo dos seus executores, uma interpretação completamente atrasada, que faz parecer que ainda estão vivendo nos anos 50 do século passado. Testada e retestada várias vezes por diversos governos e em muitos países, sempre fracassou e fracassará onde e quando for replicada. No centro dessa visão, fazendo o papel do bezerro de ouro que Moisés destruiu (Livro do Êxodo, 32), está o Estado, adorado como a única entidade capaz de conduzir a economia e a vida de todos.

Examinando essa crença, constata-se facilmente que ela rejeita praticamente tudo o que, por ser estimulador do progresso, deve ser considerado desejável e considera tudo o que deve ser rejeitado, por ser sabidamente gerador de atraso, como desejável, tendo em vista o grande objetivo de criação de uma “sociedade justa” na Terra. É cansativo demais tentar argumentar contra esses crentes, porque são sabidamente avessos a fatos e sempre propensos a distorcê-los para colocar sua arrogância, ideologia e interesses de poder em primeiro lugar, mas essa constatação não nos impede de esboçar uma pequena lista de suas idiossincrasias.

Primeiro, juram de pés juntos que, quanto mais o governo gastar, melhor para o país, porque supostamente apenas as despesas públicas, escolhidas politicamente, são capazes de atender aos anseios da população, já que o setor privado é uma terra de ninguém, em que empresários só olham para os próprios interesses e costumam explorar até a própria mãe.

Segundo, nessa linha, acreditam que nem o déficit público nem tampouco a dívida pública são problemas, porque o governo sempre terá condições de financiar o primeiro e de pagar a segunda. Eles até aceitam que, em nível de indivíduos e de empresas, viver permanentemente “no vermelho” é uma prática pouco recomendável, mas consideram que, quando se trata do governo, por alguma razão esotérica, gastar acima das receitas e endividar-se permanentemente é uma virtude que leva o povo à Terra Prometida.

Foto: Shutterstock

Terceiro, a inflação de preços não é um problema e ela chega a ser até desejável para estimular a economia, porque, sabendo que poderão vender seus produtos por preços maiores no futuro, os empresários saem correndo para aumentar a produção. E a inflação monetária também é uma prática boa, pois é uma das maneiras de financiar os gastos que tornarão o país próspero e a população feliz como pintos no lixo.

Outro falso dogma da seita é que, quanto mais o governo arrecadar, maiores serão os benefícios para o país, porque são os impostos que proporcionam os recursos para fazer a economia prosperar e porque existe um teorema místico e cabalístico, segundo o qual “dinheiro em posse do governo é mais útil sob o ponto de vista social do que dinheiro nas mãos de quem trabalhou para fazer jus à sua posse”.

Em quinto lugar, essa gente considera a propriedade privada não como um direito fundamental, mas como algo relativo e justificável apenas se atender a objetivos considerados como “de interesse social”. Invadir terras e casas alheias, então, pode ser uma prática a se estimular, tendo em vista a construção de uma “sociedade justa”. 

Outra convicção dos partidários da visão de mundo estatizante é que, quanto mais centralizadas forem as decisões, melhor para todos, porque é fundamental existir um “projeto de país”, em que meia dúzia de iluminados traça o destino de milhões de pagadores de impostos. Sua hierarquia de agentes decisórios é literalmente a oposta à do princípio da subsidiariedade que fundamenta o federalismo. Para eles, primeiro vem a União, depois os Estados, depois os municípios e por último, bem na rabeira, os indivíduos, cuja liberdade de fazer as próprias escolhas deve subordinar-se aos ditames que vêm “de cima”.

Congresso Nacional, em Brasília | Foto: Montagem Revista Oeste/Shutterstock

Sétimo, os investimentos relevantes para a economia do país também devem ser decididos pelo grupo que detém o poder, e os recursos para esses investimentos devem provir de bancos estatais, porque essas instituições “pertencem ao povo” e são imunes aos interesses individuais que norteiam os investimentos privados, que são baseados em critérios capitalistas de produtividade.

Oitavo, a equipe econômica atual trata toda e qualquer privatização como uma prática amaldiçoada e que deve ser impedida de qualquer jeito, porque coloca o país na dependência de empresas egoístas, que pensam apenas nos próprios acionistas e sem qualquer “sensibilidade social”. Para alguns, a simples distribuição de dividendos de empresas com alguma participação do governo é um crime de lesa-pátria.

Por fim, há que se ressaltar a mentalidade globalista, o desleixo com a soberania nacional e a submissão aos agentes internacionais que vêm ditando as diretrizes daquela que talvez seja a maior das utopias modernas, a de um governo mundial, escorado em muitos bilhões de dólares de meia dúzia de excêntricos poderosos que se julgam donos da verdade e detentores do conhecimento e apoiado em organizações como a ONU, o Fórum Econômico Mundial e milhares de ONGs que estão tentando nos impor sua agenda econômica, política, ambiental, alimentícia e de costumes.

É impossível, infelizmente, antever qualquer panorama positivo para o Brasil nos próximos meses, por mais que a mídia subserviente tente manipular os fatos

Um exemplo dessa submissão ao globalismo suicida está no projeto de lei enviado na semana passada pelo governo ao Congresso Nacional, com vistas a regulamentar a reforma tributária sobre o consumo, com regras para todos os produtos sujeitos ao novo Imposto sobre Valor Agregado (IVA), criado pela proposta de emenda à Constituição (PEC) aprovada no ano passado. Entre outras tungadas, o governo propôs um tributo seletivo, chamado de “imposto do pecado”, a ser cobrado sobre alguns produtos e atividades específicos. Inacreditável.

A ideia é taxar mais certos bens e serviços considerados — pelos candidatos a donos do mundo, naturalmente — prejudiciais à saúde e ao meio ambiente: veículos poluentes, embarcações e aeronaves, cigarros, bebidas alcoólicas, bebidas açucaradas e bens minerais extraídos, como minério de ferro, petróleo e gás natural.

É desnecessário comentar cada um desses nove itens para os leitores de Oeste, tamanha sua obviedade, mas é preciso frisar o comprometimento absoluto do atual governo brasileiro com cada um deles e com outros que não foram listados. A esta altura dos acontecimentos, qualquer pessoa bem informada sabe que todos são prejudiciais para as atividades econômicas e para o país e que, certamente, nenhuma economia os aguentaria por muito tempo sem entrar em parafuso. Entretanto, a coisa fica ainda pior se somarmos a eles a baderna institucional que estamos vivendo, a descomunal insegurança jurídica, a desastrosa política externa e a consequente exacerbação das incertezas quanto ao futuro. É impossível, infelizmente, antever qualquer panorama positivo para o Brasil nos próximos meses, por mais que a mídia subserviente tente manipular os fatos. A pergunta que lancei na palestra não tem resposta.

Haddad taxação
Fernando Haddad, ministro da Fazenda | Foto: Paulo Pinto/Agência Brasil

Ubiratan Jorge Iorio é economista, professor e escritor.
Instagram: @ubiratanjorgeiorio
Rede X: @biraiorio

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9 comentários
  1. Marcelo Gurgel
    Marcelo Gurgel

    Um Estado dominador já seria uma tragédia, imaginar esse Estado nas mãos dos PTralhas com o seu histórico de corrupção será o fim de tudo o que o Mundo Ocidental plantou.

  2. Candido Andre Sampaio Toledo Cabral
    Candido Andre Sampaio Toledo Cabral

    Gostei do termo ”madalenas arrependidas”. Vaidade resume esta turma.

  3. Márcio Henrique Da Silva Miguel
    Márcio Henrique Da Silva Miguel

    Lamentável e triste realidade a nossa…

  4. Fábio Rogério Rocha
    Fábio Rogério Rocha

    Como o trabalhador assalariado de empresas privadas pode se defender numa circunstância desta? Ainda mais o trabalhador de baixo e médio salários? Não pode, infelizmente. Fizeram o “L” e todos vamos se ferrar, independente do espectro político que defendemos, e ainda mais nós de direita,q que temos consciência disto tudo. É lamentável.

  5. Thais de MORAES Machado Suppo Bojlesen
    Thais de MORAES Machado Suppo Bojlesen

    Excelente artigo, esclarecedor e,ao mesmo tempo, mais notícias péssimas para todos os brasileiros pagadores de impostos que já são muito altos!

  6. DONIZETE LOURENCO
    DONIZETE LOURENCO

    Infelizmente estamos a caminho do caos econômico e por extensão o caos social.

  7. Erasmo Silvestre da Silva
    Erasmo Silvestre da Silva

    Essas aulas de economia através de reportagens é só retórica, o povo tá gostando do governo de Lula, tanto é que ele não pode sair na rua que vai uma multidão abraçá-lo. Os três poderes estão em harmonia ratual, com exceção de 1/3 pra ser otimista. Como diz o filósofo Luiz Inácio Gabiru da Silva, O que é democracia pra você pode não ser democracia pra mim nem pro Maduro

  8. Ubirajara garcia
    Ubirajara garcia

    Parabéns ao Ubiratã. Realmente esse desgoverno veio para afundar o Brasil.

  9. Carlos Pinto de Sampaio
    Carlos Pinto de Sampaio

    Parabéns!!!
    Excelente artigo, como de costume…

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