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Foto: Shutterstock
Edição 214

Por que a ideologia de gênero correu solta por tanto tempo?

Nossas elites podem agora se corrigir ou continuar sob o feitiço dessa ideologia homofóbica, misógina e cruel

Tom Slater, da Spiked
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De repente, uma goteira se transforma em uma enchente. Depois de serem ignoradas pela grande mídia por anos, as vozes críticas à teoria de gênero não podem mais ser menosprezadas.

Publicado no dia 10, o histórico Relatório Cass — sobre serviços relacionados à identidade de gênero na Inglaterra — expôs o escândalo do tratamento oferecido pelo Serviço Nacional de Saúde (NHS, na sigla em inglês) do Reino Unido, a crianças “confusas quanto à própria identidade de gênero”. Nunca houve evidências para submeter jovens que estejam em dificuldade, muitas vezes gays e autistas, a tratamentos com hormônios, medicamentos e terapias que têm consequências para a vida toda. Mesmo assim, os médicos faziam isso, encantados com a ideologia de gênero.

O relatório esteve na capa dos jornais. A BBC deu espaço a especialistas céticos em relação às questões trans, e não apenas para que sejam ridicularizados ao vivo. O Partido Trabalhista britânico de Keir Starmer, eternamente oportunista, diz concordar com tudo no relatório.

Foto: Reprodução BBC

É claro que é cedo demais para cantar vitória, e tarde demais para muitas vítimas dessa situação comemorarem, mas algo monumental aconteceu. O que era indizível se tornou dizível, pelo menos em relação ao gênero.

O estudo, produzido pela renomada pediatra Hilary Cass ao longo de quatro anos, é um trabalho impressionante: um triunfo de 400 páginas da razão sobre a desrazão. Ele não traz quase nada que já não soubéssemos, mas apresenta os detalhes com minúcia e autoridade baseadas em dados irrefutáveis.

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“Não existem boas evidências”, escreve Cass, “sobre os resultados de longo prazo de intervenções para lidar com o sofrimento relacionado ao gênero”. Bloqueadores da puberdade — hoje praticamente banidos pelo NHS — foram introduzidos “com base em um único estudo holandês”. Embora esses medicamentos sem dúvida sejam eficazes em interromper o curso natural da puberdade e quase com certeza tenham outros efeitos colaterais físicos prejudiciais, “nenhuma mudança na disforia de gênero ou na satisfação corporal foi demonstrada”.

Apesar disso, a “grande maioria” das crianças que tomam bloqueadores da puberdade passa para os hormônios de afirmação de gênero. Embora sejam vendidos para famílias aflitas como um freio para a puberdade, os bloqueadores na verdade parecem ser um acelerador para a transição — e para a esterilidade. “Não há evidências de que os bloqueadores da puberdade ofereçam algum tempo para pensar”, escreve Cass. “Também não há evidências”, acrescenta ela, “de que os hormônios melhorem a satisfação corporal e a saúde psicossocial de um jovem”. Mas “seus impactos na fertilidade, no crescimento e na saúde óssea são motivo de preocupação”. Embora a terapia hormonal de afirmação de gênero continue disponível para maiores de 16 anos, Cass recomenda “extrema cautela”.

Mesmo a transição social — ou seja, uma criança mudar nomes e pronomes e se “apresentar” como sendo do sexo oposto — não está livre de riscos. Também “não existem evidências claras de que a transição social na infância tenha resultados positivos ou negativos na saúde mental (…) No entanto, as crianças que fizeram a transição social em uma idade mais precoce e/ou antes de serem atendidas em uma clínica tiveram maior probabilidade de seguir um caminho de intervenção médica”.

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O tom do relatório é imparcial e neutro — e, ao mesmo tempo, apologético. Há algumas reverências à ideologia trans, às ideias de “experiência vivida”, ao jargão de gênero de “registrados como homens no nascimento” e “registradas como mulheres no nascimento” em vez de “meninos” e “meninas”. Há também uma quantidade considerável de falso equilíbrio irritante. Ainda assim, Cass vai derrubando um dogma atrás do outro.

A alegação de que “crianças trans” precisam de “afirmação de gênero” e tomar hormônios para não cometerem suicídio? Essa chantagem moral horrível foi dita repetidas vezes para pais cautelosos em clínicas de gênero em todo o Ocidente. Mas, como muitos já sabiam, não existe nada que sustente isso: “As evidências encontradas não corroboram essa conclusão”.

As estatísticas sobre a explosão de crianças que têm acesso ao “cuidado de gênero” do NHS também não são novidade. Mas ainda impressionam. Em 2009, o Serviço de Desenvolvimento de Identidade de Gênero atendia menos de 50 crianças, predominantemente meninos. Em 2016, esse número estava mais próximo de 2 mil. A maioria eram meninas.

A escala do aumento e a mudança radical na proporção entre meninos e meninas fazem com que seja improvável, como observa Cass, que tudo se resuma a crianças se sentindo mais aceitas e livres para se “assumir”. Ela não usa a expressão “contágio social”, mas aponta para isso, observando que “influenciadores on-line tiveram um impacto considerável” no desejo de alguns jovens de fazer transição.

Mãe e filho durante a Marcha Nacional de Visibilidade Trans, em Sacramento, na Califórnia, nos EUA (9/10/2021) | Foto: Chris Allan/Shutterstock

Então, depois de anos de manipulação e cancelamentos, o que estava acontecendo nessas clínicas de gênero do NHS foi escancarado para as elites. A questão agora é: como isso pôde ser permitido?

O relatório aponta para algumas das razões mais imediatas. A saber, a fragilidade da base de evidências para vários tratamentos combinada com a conspiração do silêncio em torno dela. Surpreendentemente, a doutora Cass diz que sua pesquisa de fato foi “dificultada pela falta de cooperação dos serviços de gênero para adultos”. “Eu realmente acho que foi algo coordenado”, disse ela ao Guardian. “Parecia haver uma motivação ideológica.”

Fica claro que, para quem supostamente está acima de nós, demonstrar virtude e estar do “lado certo da história” substituiu a virtude genuína e o pensamento racional

Mas também existe uma questão mais profunda aqui — não apenas para o serviço de saúde, mas para a mídia, a Academia e a sociedade educada. Essas atividades cruéis do NHS são um segredo conhecido praticamente há décadas. E, no entanto, apenas hoje, com o Relatório Cass, elas estão sendo digeridas adequadamente. A enfermeira de saúde mental Susan Evans, que à época trabalhava na hoje fechada clínica Tavistock, foi a primeira a denunciar o caso, em 2004, depois de saber que um jovem de 16 anos havia sido encaminhado para tratamento hormonal após apenas quatro consultas.

Era 2004! Naquela época, Julie Bindel ainda escrevia para o Guardian, Graham Linehan ainda podia andar desarmado por Muswell Hill, e J.K. Rowling ainda era uma autora infantil adorada, cuja seção de “polêmica” em sua página da Wikipedia tratava principalmente das queimadas de livros de Harry Potter promovidas pela direita religiosa. No entanto, demorou 20 anos — e a demonização desses três guerreiros críticos de gênero e de muitos outros — para que a verdade se tornasse socialmente aceitável.

J.K. Rowling, autora da série Harry Potter e grande crítica à ideologia de gênero, durante o Royal Festival Hall, em Londres, na Inglaterra (29/3/2022) | Foto: Shutterstock/Fred Duval

Tudo isso mostra que a ideologia woke é a água em que nossas elites nadam. Fica claro que, para quem supostamente está acima de nós, demonstrar virtude e estar do “lado certo da história” substituiu a virtude genuína e o pensamento racional. Aliás, eles preferiram se posicionar contra uma reação “transfóbica” inventada em vez de pensar por 30 segundos sobre o que estavam apoiando — e que acabou sendo a esterilização imprudente de crianças que, se tivessem ficado como estavam, teriam crescido para serem gays. Eles eram os verdadeiros reacionários o tempo todo.

O Relatório Cass pode não ter derrotado o extremismo de gênero, mas lançou um desafio. Ao serem confrontadas com seus erros terríveis, nossas elites podem agora se corrigir. Ou será que vão continuar sob o feitiço dessa ideologia homofóbica, misógina e cruel? Nossas instituições supostamente liberais, seculares e racionais estão presas demais a essa religião paralela para aceitar fatos antigos e devastadores? Estamos prestes a descobrir.


Tom Slater é editor da Spiked. Ele está no X: @Tom_Slater_

Leia também “A revolta contra as elites verdes”

6 comentários
  1. Neusa Marilene Barreiro dos Santos
    Neusa Marilene Barreiro dos Santos

    Deixem as nossas crianças em paz, crescendo e sendo felizes deixando cd coisa acontecer no seu devido tempo,com sossego e tranquilidade.

  2. DONIZETE LOURENCO
    DONIZETE LOURENCO

    Convivo fraternamente com gays desde sempre.
    O que a elites poderosos e rancorosas desejam é defender o indefensável.
    Deixem as crianças e os adolescentes em paz e no momento adequado com serenidade e apoio familiar eles certamente escolheram as melhores decisões para suas vidas.

  3. Erasmo Silvestre da Silva
    Erasmo Silvestre da Silva

    Eu não entendo por que tanta persistência em trabalhar contra a biologia, querem demonstrar hiper-intectualidade, isto tá mais pra quem quer aparecer, cultura woke é uma porcaria. Os casos mais difíceis não dependem da cultura e sim da ciência, a genética, a biologia de partículas, a psiquiatria e a neurologia e avanços de ADN

  4. RODRIGO LOURENCINI PALAORO
    RODRIGO LOURENCINI PALAORO

    Ótima notícia, mas entristece o quanto nós tornamos irracionais no século XXI, haja vista que precisamos de um relatório desse para alguns abrirem a mente sobre um assunto que nasceu morto. Muitos inocentes tiveram suas vidas físicas e emocionais abaladas para sempre pela ignorância dos pais.

  5. Roberto Lopes Bezerra
    Roberto Lopes Bezerra

    A grande tragédia COVID 19 demonstrou o porque de tantas experiências, é só pelo dinheiro mesmo!

  6. José Sergio do Amaral Mello Filho
    José Sergio do Amaral Mello Filho

    Bom saber. Combato com força toda manifestação woke, em especial a ideologia de gênero .

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