A invasão da Ucrânia pela Rússia tirou de cena os últimos rescaldos da tragédia de Petrópolis, a apenas 68 km do Rio, e fez com que fossem esquecidos os deslizamentos, as trombas d´água e as enchentes que deixaram centenas de mortos e prejuízos de R$ 1 bilhão.
Como toda cidade, Petrópolis tem tragédias do presente, mas também do passado. E certamente as terá no futuro, pois algumas se repetem com frequência. Ainda mais porque pouco se faz para prevenir os cidadãos.
Todavia, outras notícias, não de tragédias, mas de curiosidades como esta: um inusitado plebiscito realizado no dia 7 de outubro de 2018. O resultado: 68,58% votaram contra as charretes puxadas por cavalos, 31,42% votaram a favor. Foram aposentados 39 cavalos, que trabalhavam por turno e puxavam 13 charretes, substituídas a seguir por veículos movidos a motor elétrico.
Os cadastros indicavam que 15 famílias viviam daquele antigo mundo das charretes de tração animal. Irrompeu também, como sempre, o dialeto do administrês e logo houve quem fosse encarregado, não do emprego dos dispensados, mas da empregabilidade.
É impressionante como o Brasil vai se esquecendo das coisas, entre elas do costume de escrever direito. Irrompem desgraças news aqui e ali, a mídia explora os temas até a exaustão, mas de repente, em velocidade espantosa, os assuntos são outros e não se fala mais dos anteriores. Antigamente, eles migravam aos poucos das primeiras páginas para as páginas internas, depois sumiam, e enfim eram igualmente esquecidos, mas hoje a velocidade é outra. Às vezes as notícias têm vida ainda mais breve do que a das borboletas.
Nada há de estranho no fato da mídia esquecê-los. Esta é a lei das coisas. Mas, no idioleto de algum assessor, quem acompanha o day after? Haverá quem cuide do que nas empresas se chama follow up? Importantes autoridades da República e especialmente do Estado do Rio de Janeiro estiveram lá, tomaram providências e liberaram verbas, mas depois que elas foram embora, o que foi feito?
Curiosidades de Petrópolis
Como esta coluna quer ser hoje uma espécie de hora do recreio para temperar tantas adversidades, lembremos curiosidades benfazejas da cidade de Petrópolis. Esta, por exemplo. Ele, de 58 anos, presidente da República e marechal do Exército, e ela, de 27 anos, jovem, bonita e caricaturista, casaram-se ali. Estamos falando do marechal Hermes da Fonseca, cujo tio, o também marechal Manuel Deodoro da Fonseca, tinha proclamado a República, traindo a confiança do imperador Dom Pedro II. De passagem, lembremos a importância dos temas do traidor e da traição na história de nossa República.
O presidente era gaúcho — os gaúchos adoram ocupar a presidência da República, seja por voto, seja por golpe — e ficara viúvo cedo. Casara-se pela primeira vez em 1879, aos 24 anos, como então era moda. E a primeira esposa, Orsina Francioni da Fonseca, morrera no ano anterior ao seu casamento com a caricaturista Nair de Teffé von Hoonholtz, filha do Barão de Teffé.
O novo casal celebrou a união no Palácio do Rio Negro, residência de verão dos presidentes da República. Getúlio Vargas, outro gaúcho, presidente por golpe e por eleições diretas, estava ali, no dia 22 de fevereiro de 1942, quando rabinos do Rio vieram pedir-lhe que autorizasse o translado dos corpos do escritor Stefan Zweig e de sua esposa Charlote Altmann para ser enterrados no Cemitério Israelita do Rio. Constava que o casal morrera por duplo suicídio. Mas, se assim fora, por que judeus, que não enterram suicidas em seus cemitérios, queriam os corpos? Getúlio Vargas negou a autorização, como tinha negado também a necropsia.
Hermes da Fonseca foi quem instituiu a faixa presidencial, que ele mesmo a usou pela primeira vez e foi o primeiro a passá-la ao sucessor, Venceslau Brás. O marechal e político foi feliz no amor, mas foi para a cadeia no penúltimo ano de sua existência e morava na casa do sogro, também em Petrópolis, quando morreu, depois de ser solto por habeas corpus. O Brasil gosta de prender presidentes da República… Getúlio Vargas sabia o que advinha a passarinho que comia pedra, ele mesmo mandara prender muitos adversários, e preferiu suicidar-se.
Outra curiosidade marca a vida de Hermes da Fonseca. Ele foi o único presidente da República a contrair núpcias durante o exercício do mandato. Vocês sabem que o verbo contrair é polissêmico.
Alguns contraíram outras coisas, não apenas durante o mandato, mas antes de assumi-lo, como foi o caso do presidente eleito indiretamente, Tancredo Neves. Ele não contraiu apenas os músculos da face para aquela célebre foto no Incor, em São Paulo. Já tinha contraído algo estranho em outro hospital antes de se submeter às famosas sete intervenções cirúrgicas. E por fim morreu, aos 75 anos, no dia 21 de abril de 1985. Foi quando o distinto público veio a saber que ser operado por médico era normal. Mas, dali por diante, se aparecesse um professor doutor no centro cirúrgico convinha cercar-se de mais cuidados.
Foi ali também que passou a ser divulgado, geral e irrestritamente, que havia professores doutores nas universidades, alguns exerciam a medicina e um deles se chamava Walter Henrique Pinotti. Grande pesquisador, notório especialista em gastroenterologia e professor catedrático da USP, um dos maiores centros de excelência de ensino superior no Brasil, Dr. Pinotti morreu de câncer, aos 81 anos, em 2010, tendo deixado quase mil artigos publicados em revistas especializadas do Brasil e do exterior.
De grão em grão a galinha enche o papo. De notícia em notícia faz-se a crônica, dizia Carlos Drummond de Andrade. Às vezes, de notícias velhas surpreendentemente novas. Como as guerras e outras tragédias. No entanto, vivemos. E uma boa forma de passar o tempo é ler sobre elas.
P. S. Dedico este texto a meu querido amigo Augusto Nunes. Ele sabe por quê.
É sempre bom ler algumas curiosidades sobre a vida nacional em épocas passadas. Mas a tragédia de Petrópolis, a primeira salvo engano, já tinha sido esquecida aí veio a segunda, que foi eclipsada por acontecimentos que vem e se vão numa velocidade incrível, agora temos o conflito da Ucrânia e não se fala nem mesmo da pandemia que até já decretaram para epidemia, já rebaixando-a. E assim vamos indo, talvez com uma outra coisa mais grave que faça esquecer todas as anteriores, que nem se tem tempo para ler sobre os fatos pretéritos, infelizmente.
Já que estamos falando de linguagem, é ‘para ser’ ou ‘para serem’ enterrados?.
Fala aí, Dagomir, perdão, Deonísio ( esse me conforta, o deus do vinho).
Correto, corretíssimo: “para ser enterrados”.
Flexão de infinitivo é sempre muito controverso.
Clareza, simplicidade e harmonia devem preceder o intrincado conjunto de regras que se pretendia exceção. Sim, as línguas originárias do latim têm na flexão do infinitivo uma exceção.
“Impressionante como o Brasil vai se (sic) esquecendo das coisas, entre elas do costume de escrever direito” (SILVA, 2022).