“A meta de acabar com a venda de carros a combustão até 2035 em toda a União Europeia (UE) vai permanecer.” Essa foi uma das primeiras declarações da presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, após sua reeleição no comando do órgão executivo do bloco.
A política alemã se referia à proibição — decidida pelas autoridades europeias no começo de 2023 e com prazo de cumprimento até 2030 — de comercializar carros e veículos comerciais com motor térmico. Isso praticamente obriga os consumidores europeus a comprar apenas carros elétricos.
Menos de 90 dias depois da declaração de von der Leyen, a Volkswagen anunciou o fechamento de fábricas na Alemanha. Foi a primeira vez desde a sua fundação, em maio de 1937. “A Alemanha como local produtivo está perdendo terreno em termos de competitividade”, declarou Oliver Blume, diretor-presidente da Volkswagen.
A decisão foi um choque para o país inteiro, cujo modelo econômico é tradicionalmente baseado na indústria. E tem na fabricação de automóveis um de seus pilares.
Em 2023, a receita das montadoras alemãs superou os 564 bilhões de euros (cerca de R$ 3,6 trilhões). Em termos de comparação, é mais de um quarto de todo o produto interno bruto (PIB) do Brasil.
A Volkswagen se tornou nos últimos anos a maior fabricante de carros do mundo. Superou a General Motors e disputa ano a ano com a Toyota o primeiro lugar. É um verdadeiro orgulho nacional para a Alemanha, símbolo universal de seu sucesso e prosperidade no pós-guerra. Mais do que uma perda econômica, fechar fábricas da Volks em território alemão representa uma humilhação para todo o país.
Sem contar que a Volkswagen tem mais de 300 mil funcionários na Alemanha. Entre 15 mil e 30 mil devem ser demitidos. Aos que ficarão, já foi anunciado um corte de 10% do salário, o fim dos bônus anuais e outras reduções de benefícios. “Ninguém está seguro”, disse Daniela Cavallo, presidente do conselho das fábricas da montadora.
Encerrar a atividade de fábricas produtivas se tornaria um gigantesco problema político para o governo liderado pelo chanceler Olaf Scholz, do Partido Social-Democrata (SPD), que já enfrenta uma queda vertical de popularidade. Seu partido se tornou o terceiro da Alemanha, com menos de 14% dos votos. Superado nas últimas eleições pela União Cristã-Democrata (CDU), de centro-direita, e até mesmo pela Alternativa para a Alemanha (AFD), partido demonizado como de “extrema direita”, mas que está se demonstrando muito mais capaz de interpretar as instâncias do eleitorado alemão do que o de Scholz.
O fechamento de fábricas da Volkswagen não é o único caso de desindustrialização na Alemanha. Várias outras empresas não estão conseguindo manter suas operações. Até mesmo a Coca-Cola, cujas vendas são tão previsíveis quanto as quatro estações do ano, fechou cinco plantas em território alemão, demitindo centenas de funcionários.
A tempestade perfeita da Europa
Não é apenas a Alemanha que está se tornando pouco competitiva. Toda a Europa entrou em uma espiral viciosa de aumento de regulamentação e carga tributária, provocada por decisões das autoridades nacionais e europeias que transpiram hostilidade anti-industrial.
Somam-se a isso os efeitos econômicos da guerra na Ucrânia, que elevaram o preço do gás, prejudicando ainda mais a indústria. E se juntam às tensões comerciais com a China, que está progressivamente fechando seu mercado. Uma tempestade perfeita sobre a manufatura que está devastando os conglomerados industriais europeus.
A decisão de proibir os carros a gasolina e a diesel na União Europeia foi tomada pelo Parlamento Europeu eleito em 2019, no qual o Partido Verde aumentou em 50% o número de assentos, chegando a 10% do total. Eram os anos do ápice midiático de personagens como a ambientalista extremista Greta Thunberg, que dominava as manchetes dos jornais locais.
Foi nesse período também que a UE aprovou o Pacto Verde Europeu. Uma série de regras ambientalistas radicais que impuseram, por exemplo, a reestruturação obrigatória de casas para se adequarem a parâmetros ambientais (cujo custo ficaria nas costas dos cidadãos europeus), a redução em 50% do uso de defensivos agrícolas, a obrigatoriedade de 25% de agricultura biológica e a imposição de 40% de produção de energias renováveis até 2030.
“Essas regras para tentar salvar o mundo estão acabando com a indústria automotiva europeia”, explica J. R. Caporal, presidente da Auto Avaliar, o maior marketplace B2B do Hemisfério Sul. ” A indústria, que já não crescia mais, sendo um mercado de substituição, agora está em crise profunda.”
Uma das medidas mais criticadas foi o novo padrão para as emissões de carbono de carros europeus. O limite legal passou para 94 gramas por quilômetro a partir de 2025, com metas anuais de redução obrigatórias para os fabricantes, chegando a zero em poucos anos. É praticamente impossível de respeitar. Mas, para as montadoras que não se adequarem, as multas serão violentas. Somente no ano que vem, as empresas deverão pagar 15 bilhões de euros. Uma condenação à morte para a maioria delas. Que estão se antecipando.
A Stellantis, por exemplo, controladora de marcas como Fiat e Peugeot, começou a reduzir sua presença produtiva na Itália. Nos primeiros nove meses do ano, o número de carros fabricados no país diminuiu quase 32%, com todas as plantas no negativo pela primeira vez na história. O diretor-presidente do grupo, Carlos Tavares, foi convocado pelo Parlamento italiano e coberto de insultos pelos deputados e senadores. Não adiantou, e os cortes continuaram. O principal acionista, John Elkann, também foi chamado. Decidiu não comparecer, provocando a fúria da classe política. Que, todavia, não entendeu a raiz do problema.
Ambientalismo radical e catástrofe econômica
Em menos de cinco anos de atuação, os resultados do Pacto Verde Europeu demonstram que se trata de uma catástrofe econômica. Segundo uma pesquisa da Confederação dos Sindicatos Europeus, nesse período a UE perdeu quase 1 milhão de empregos na indústria. Uma verdadeira bomba social.
O impacto negativo foi tamanho que nas eleições europeias seguintes, ocorridas em junho deste ano, o Partido Verde perdeu todos os assentos conquistados no pleito anterior. Com os partidos de direita ganhando posições. Demonstração clara de insatisfação do eleitorado europeu, sonoramente ignorada pela burocracia de Bruxelas.
Na nova Comissão Europeia, nomeada em setembro de 2024, Ursula von der Leyen nomeou como vice-presidente-executiva a socialista e ambientalista extremista espanhola Teresa Ribera, atual ministra do Meio Ambiente da Espanha. Sintoma de uma elite cada vez mais distante do povo, e que insiste em tomar decisões economicamente suicidas.
A histeria sobre os carros elétricos é a demonstração prática dessa situação. Nem mesmo forçados pela lei os cidadãos europeus começaram a comprar carros elétricos. O custo quase 50% maior que o de carros tradicionais, a autonomia pífia e a ausência de pontos de recarga desincentivaram os motoristas. “Os motoristas europeus decidiram permanecer com seus carros antigos, sem sequer comprar carros novos. Pois a expectativa de comprar um veículo a gasolina sem saber se poderá ser revendido usado no futuro, e a que preço, deixou as concessionárias desertas”, explica Caporal. “Por que abrir mão de um carro que tenho para comprar outro, sem ter vantagem econômica?”
Em agosto, as vendas de carros na Europa caíram mais de 18%, segundo dados da Associação Europeia dos Construtores de Carros (Acea). Com picos de aproximadamente -28% na Alemanha, -24% na França e -13% na Itália. O fechamento das fábricas é a consequência direta desse colapso das vendas. Um desastre econômico, já que a indústria automotiva representa mais de 7% do PIB da UE.
Pior do que isso: nem mesmo as vendas de carros elétricos estão avançando. No mesmo mês, elas caíram quase 44%. Na Alemanha, a queda foi de quase 70%. Na França, de mais de 33%. De janeiro a agosto de 2024, os carros a bateria representaram menos de 13% do mercado de veículos comercializados na Europa. Quase metade da porcentagem do mesmo período de 2023. A BMW já reduziu sua previsão de lucros para o ano inteiro por causa das fracas vendas de veículos elétricos.
Nos últimos anos, as vendas de veículos elétricos na Europa foram sustentadas graças a generosos subsídios estatais. Apenas em 2024, a UE colocou na mesa mais de 130 bilhões de euros para subsidiar o setor. Sem contar os incentivos nacionais. A Alemanha gastou mais de 10 bilhões de euros desde 2016 para incentivar a compra de carros elétricos. A França colocou em seu Orçamento 1,5 bilhão de euros neste ano. Uma montanha de dinheiro dos pagadores de impostos europeus que acabou favorecendo os mais ricos, já que mesmo com os descontos públicos os carros elétricos continuam demasiadamente caros para a maioria da população.
E, mesmo com essa injeção cavalar de recursos, pouco se avançou na parte infraestrutural. Um exemplo disso é o número de pontos de recarga na Alemanha, um dos países mais adiantados nesse âmbito. Em 2019, a então chanceler alemã, Angela Merkel, declarou querer ver 1 milhão de estações de carregamento para carros elétricos em todo o país até 2030. No final de 2024, o número de carregadores mal supera os 100 mil, com um aumento de 20 mil unidades por ano. Nesse ritmo, até 2030 o número mal chegará a 300 mil.
Como se não bastasse, dos poucos carros elétricos vendidos na Europa, boa parte é importada da China. A fatia de mercado dos veículos chineses passou de menos de 2% em 2020 para mais de 14% no segundo semestre de 2024. “Os motoristas europeus os preferem por serem muito mais baratos do que os fabricados na União Europeia”, diz Caporal. “Com isso, em um mercado que não crescia, sendo baseado apenas em substituição, os chineses estão roubando fatias de vendas. Isso explica parte da crise das montadoras europeias.” Resultado: a Audi anunciou no final de outubro que fechará sua histórica fábrica de carros elétricos em Bruxelas, que operava havia mais de 75 anos.
Em resposta, a União Europeia decidiu aumentar os impostos alfandegários sobre os carros elétricos chineses, adotando tarifas de cerca de 45%. Mas sem retirar os incentivos estatais, que continuarão valendo também para os carros chineses. Ou seja, de um lado taxa mais a importação, do outro gasta com subsídios. Uma esquizofrenia que não passou despercebida pela opinião pública europeia, que começa a protestar.
Em setembro, a primeira-ministra italiana, Giorgia Meloni, apresentou formalmente um pedido para cancelar a proibição de venda de veículos a combustão a partir de 2035. É uma liderança de direita que está ganhando cada vez mais espaço na política europeia.
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Por enquanto dá para brincar de carro elétrico, mas quando os árabes falarem sério e baixarem o preço do barril do petróleo, acaba a brincadeira.
Não tem que se queixar de nada só se sai do aperto investindo na indústria tecnológica, o resto a natureza cuida
Preferem o anarquismo com a suposta pauta ambiental, do que o debate racional, então inevitavelmente surgem os efeitos colaterais.
A agenda climática utilizando como poste Leonardo de Caprio e Greta Thunberg entre outros, passando por Marina Silva no Brasil e sua narrativa de ataques de nano mísseis ainda resultará em muitos prejuízos para o mundo.
A desindustrialização jogará por terra conquistas tecnológicas que levaram décadas para ser aperfeiçoadas, comprometendo os países e suas populações a um martírio desnecessário.
A China possui hoje cemitérios de carros elétricos que foram simplesmente abandonados por não existir um mercado de usados. No Brasil apesar do amplo marketing da BYD ninguém sabe o que será feito com o lixo produzido pelas baterias de lítio, além da desconfiança no mercado que por enquanto é apenas uma aposta.
Prezado Cauti, o artigo é muito bom e interessante , porém tentei traduzir p minha esposa que é Alemã ( moro em Colônia) a Revista não permite, seria possível uma cópia em inglês?
Mais uma oportunidade que será perdida pelo Brasil.
Os europeus estão começando a entender a máxima que diz ” quem lacra não lucra”..
“Salvar o mundo “de que , afinal de contas?
Deixem os europeus se desindustrializarem para ver onde irão parar..
Quando estiverem no fundo do poço esses “ambientalistas fajutos” vão simplesmente sumir do mapa e deixar o desastre para os outros resolverem , simples assim.
No futuro até pode ser que o carro elétrico seja a solução , porem no momento não passa de brinquedinho de “patricínho ecólogo” de rede social.
Se metade da frota mundial tivesse que ser eletrica , não haveria capacidade dos sistemas eletricos atuais de suprir essa demanda ( em suma ” não haveria “tomada para todo mundo plugar os carros”.
Simples assim.
Fora o fato de que ainda não sabem o que fazer com as tais baterias quando virarem sucata , já que tem vida util bem curta.
E esse é um problema que já está começando a aparecer.