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Ilustração: Revista Oeste/IA
Edição 241

A queda de um império

À medida que a mídia tradicional dobra seu apelo à censura e à manipulação do debate público, a dependência do público em fontes descentralizadas continua a crescer

Ana Paula Henkel
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Durante grande parte do século 20, a mídia tradicional foi considerada um pilar das democracias e uma força crítica para a responsabilidade, transparência e verdade. Jornais, redes de rádio e televisão e revistas respeitáveis detinham uma posição única de confiança e influência.

O jornalismo investigativo inovador, como a cobertura do escândalo de Watergate pelo The Washington Post, expôs as vísceras dos mais altos níveis do governo, levando à renúncia do presidente americano Richard Nixon, em 1974, e marcando uma virada na conscientização do público sobre a mídia como um cão de guarda do poder político.

A mídia tradicional era percebida como um árbitro imparcial, responsabilizando os líderes por meio de relatórios objetivos e completos. Integridade jornalística, precisão e imparcialidade eram valores fortemente associados aos veículos de notícias tradicionais, estabelecendo com o público um vínculo de confiança que perdurou por gerações. As empresas de mídia priorizaram a noção de um “serviço público”, visando informar os cidadãos e promover uma democracia bem informada

Richard Milhous Nixon, o 37º presidente dos Estados Unidos
Richard Milhous Nixon, o 37º presidente dos Estados Unidos | Foto: Reprodução/Flickr

Por décadas, a mídia tradicional deteve um monopólio virtual sobre o fluxo de informações, servindo como a principal fonte de notícias para o público e como os autoproclamados guardiões da verdade. Essas instituições de mídia se posicionaram como defensoras da democracia e campeãs da liberdade de expressão, incorporando uma missão de informar o público sem interferência. No entanto, conforme a internet e as plataformas virtuais surgiram, o cenário da mídia tradicional foi fundamentalmente transformado. As informações se tornaram descentralizadas, diversas e acessíveis a qualquer pessoa com uma conexão à internet, efetivamente encerrando o controle exclusivo da imprensa tradicional sobre quais histórias eram contadas e como eram enquadradas.

Essa perda de controle desencadeou uma forte reação de muitos veículos tradicionais, que agora enfrentam a realidade de que são apenas uma das muitas vozes competindo na era da informação digital. A ascensão da mídia alternativa, jornalistas independentes e comentaristas de mídias sociais introduziu uma série de perspectivas, muitas vezes destacando pontos de vista e informações que a imprensa tradicional negligencia ou evita ativamente. Longe de celebrar esse pluralismo como um testamento à liberdade de expressão, a mídia tradicional tem demonstrado crescente desdém por essa nova realidade, frequentemente caracterizando vozes alternativas como “desinformação” ou “perigosas” para o discurso público.

Em uma reviravolta irônica, as mesmas instituições que antes eram os faróis da liberdade de expressão e da liberdade de imprensa começaram cada vez mais a pressionar pela censura, muitas vezes defendendo restrições a informações que consideram “enganosas” ou “não verificadas”. Os veículos da imprensa tradicional frequentemente pedem regulamentações mais rígidas em plataformas de mídia social, pressionam empresas de tecnologia a implementar moderação de conteúdo e apoiam vozes censoras. Eles argumentam que na circulação livre de informações há o perigo de espalhar falsidades. Embora a intenção seja enquadrada como proteger o público da desinformação, a verdade é que esses esforços para controlar quais informações as pessoas podem acessar são uma tentativa de recuperar a influência perdida. Essa mudança de defender o diálogo aberto para apoiar a censura é percebida por muitos como uma tentativa de sufocar a competição e retomar o controle sobre a opinião pública.

Ao rotular a mídia alternativa e as vozes independentes como “marginais” ou “não confiáveis”, a imprensa tradicional busca minar a credibilidade dos concorrentes, tentando se restabelecer como a fonte única e confiável de notícias. No entanto, essa abordagem tem corroído ainda mais a confiança do público — as pessoas reconhecem hoje a natureza seletiva do que a mídia tradicional rotula como “verdade”. Cada vez mais, o público vê esse impulso para a censura não como um meio de garantir a precisão, mas como um esforço para controlar narrativas, restringir o debate e limitar a exposição a pontos de vista que desafiem interesses estabelecidos.

New York Post publicou uma história sobre o conteúdo do laptop de Hunter Biden, com indícios de influência política por intermédio do pai, Joe Biden, e a matéria foi restringida | Foto: Reuters/Anna Rose Layden

Um exemplo definitivo dessa mudança ocorreu durante a corrida para a eleição presidencial dos EUA de 2020, quando o The New York Post publicou uma história sobre o conteúdo do laptop de Hunter Biden, que continha e-mails e documentos detalhando suas negociações comerciais nada republicanas e que envolviam um caminho de influência política por intermédio do pai, Joe Biden, na época vice-presidente de Barack Obama.

A história indicou o potencial envolvimento da família Biden em transações financeiras controversas e ilegais e, em uma demonstração chocante de censura, as principais plataformas de mídia social, como Twitter e Facebook, rapidamente restringiram a história, impedindo os usuários de compartilhá-la e descartando-a como “desinformação” sem uma investigação completa. Os principais veículos da imprensa tradicional ignoraram amplamente a história, enquadrando-a como “não confiável” e optando por não se envolver com suas alegações substantivas. Nenhum trabalho investigativo foi feito pelos grandes veículos de imprensa. Esse esforço concentrado para silenciar a discussão sobre o laptop do filho do então candidato à Presidência dos Estados Unidos da América escancarou uma disposição perturbadora de suprimir vozes e narrativas dissidentes que poderiam desafiar a ordem política estabelecida.

A censura em torno da história do computador de Hunter Biden gerou indignação generalizada e destacou a tendência alarmante da mídia tradicional em agir não como observadora neutra, mas como partidária tentando controlar o debate e o caminho das eleições. Muitos viram as ações da imprensa como uma tentativa de proteger a campanha de Biden do escrutínio em uma eleição marcada por profunda polarização. As consequências desse incidente só aprofundaram a desconfiança pública na mídia tradicional, pois ficou claro que instituições poderosas estavam dispostas a fazer grandes esforços para suprimir informações que pudessem atrapalhar suas narrativas preferidas.

Reportagens seletivas e o impulso pela censura levaram muitos a questionar se a imprensa tradicional ainda era um cão de guarda democrático ou se havia se tornado uma defensora de certas ideologias e agendas. Uma vez vistas como defensoras da liberdade de expressão, algumas instituições de mídia tradicional agora apoiam e incentivam a censura de pontos de vista que consideram controversos ou enganosos. Ao pedir uma regulamentação mais rigorosa da informação nas plataformas de mídias sociais, desativando vozes independentes e rotulando visões dissidentes como “desinformação”, a imprensa tradicional parece menos comprometida com a transparência e mais interessada em controlar narrativas. Isso representa uma significativa mudança em relação ao jornalismo imparcial e equilibrado que antes definia essas instituições.

E nesta semana, Jeff Bezos, um dos homens mais ricos do mundo, dono de um dos veículos mais influentes da imprensa mundial, o jornal The Washington Post, sentiu oficialmente o baque da realidade: as chaves dos portões do monopólio da informação não pertencem mais aos bilionários e suas agendas políticas.

Na segunda-feira, 28 de outubro, Bezos defendeu a decisão do Washington Post de não endossar um candidato presidencial como “baseada em princípios”. Apesar de o jornal ter endossado candidatos democratas nos últimos anos, o bilionário fundador da Amazon argumentou que os americanos acreditam que a imprensa está tendenciosa. Na sexta-feira, 25 de outubro, o editor do Washington Post, William Lewis, disse que o jornal não apoiaria um candidato presidencial na eleição americana deste ano ou em eleições futuras, uma postura que gerou indignação de alguns de seus funcionários atuais e antigos, bem como dos assinantes.

O editor do Washington Post, William Lewis, disse que o jornal não apoiaria um candidato presidencial na eleição americana deste ano ou em eleições futuras (25/10/2024) | Foto: Reprodução/Washington Post

Após a decisão, dezenas de milhares de leitores supostamente cancelaram suas assinaturas, enquanto um terço do conselho editorial do jornal renunciou. A equipe editorial do veículo estava preparada para apoiar a democrata Kamala Harris antes de Lewis escrever que seria melhor para os leitores decidirem por si mesmos.

Em “uma nota do nosso proprietário”, publicada na noite de segunda-feira, Bezos disse que os endossos editoriais criam uma percepção de parcialidade em um momento em que muitos americanos não acreditam na mídia e acrescentou que gostaria que a decisão de encerrar os endossos presidenciais tivesse sido tomada antes.

A decisão de Bezos causou uma onda de ira sem precedentes tanto dentro do jornalismo quanto fora dele. No entanto, a decisão de Bezos seguiu uma ação do proprietário do Los Angeles Times, Patrick Soon-Shiong, de bloquear o endosso do jornal à vice-presidente Kamala Harris, o que também estimulou a renúncia de vários membros do conselho editorial. 

Dono do Washington Post, Jeff Bezos evitou polemizar acusações de que teria pressionado jornalistas contra endosso à candidatura de Kamala Harris | Foto: Reprodução/YouTube
Dono do Washington Post, Jeff Bezos defendeu a decisão do jornal de não endossar um candidato presidencial | Foto: Reprodução/YouTube

Em seu editorial, Bezos afirma que sua intenção é transformar sua mensagem em “uma voz crível, confiável e independente”, sem nenhum viés político. Mas, como dizem os americanos, “too little, too late” — “tarde demais”, no bom português. Para que essa declaração tivesse algum peso, Bezos teria que demitir cada um dos militantes presunçosos que menosprezaram publicamente sua decisão e que insistem em afirmar que um lado político no cenário americano — o dos republicanos — é composto de fascistas.

A queda da influência da mídia tradicional sinaliza uma nova era em que a informação não é mais rigidamente controlada por um pequeno número de instituições selecionadas. Com a ascensão da mídia digital e do jornalismo independente, o público agora tem acesso a um espectro mais amplo de pontos de vista, permitindo um discurso público mais diverso e dinâmico.

À medida que muitos da imprensa tradicional dobram seu apelo à censura e à manipulação do debate público, a dependência do público em fontes descentralizadas continua a crescer, impulsionada por um desejo por informações não filtradas e perspectivas diversas.

Essa divisão crescente reflete uma mudança profunda no relacionamento do público com a mídia, sinalizando que a era da autoridade incontestável da imprensa tradicional está terminando e um império está colapsando.

Ilustração: Revista Oeste

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20 comentários
  1. Marcello Silveira Zorzi
    Marcello Silveira Zorzi

    Assino em baixo Ana Paula disse tudo.

  2. Luiz Fraga
    Luiz Fraga

    O consórcio de imprensa “estatizado” encontra-se em estágio avançado de “implosão”. Quando o prédio todo ruir, quero assistir de camarote.

  3. Erasmo Silvestre da Silva
    Erasmo Silvestre da Silva

    Fui assinante de revistas e jornais na década de 1980 e todos os dias saía notícias de roubalheiras de dinheiro público e não acontecia nada. A justiça era um casulo ninguém sabia de nada. Hoje tá tudo escancarado e não acontece nada com os ladrões esquerdistas que estão no poder. Estão pintando e bordando, estão roubando descaradamente, prendendo gente honesta e debochando todo dia da população

  4. Valesca Frois Nassif
    Valesca Frois Nassif

    Querida Ana, sabemos bem que de vc só podemos esperar informação real , confiável e embasada em muita pesquisa e conhecimento. Parabéns!

  5. MATHEUS OLIVEIRA PIASSA
    MATHEUS OLIVEIRA PIASSA

    Excelente texto. Eu diria que a desconfiança se tornou tão aguda, principalmente pós-COVID, mas mesmo pensando no contexto de eleição do Trump e Bolsonaro, que começamos a questionar se efetivamente houve algum momento que a mídia não tenha sido parcial ou se na verdade, ela sempre tenha sido esse instrumento de manipulação da opinião pública. Eu acho que isso provavelmente é mais próximo da realidade, provavelmente faz décadas que a mídia tem sido utilizada para afastar o homem da verdade, sendo a verdade mais fundamental aquela que nossos antepassados manifestaram no credo religioso

  6. MB
    MB

    Demorô. 👏👏👏

  7. Candido Andre Sampaio Toledo Cabral
    Candido Andre Sampaio Toledo Cabral

    Por isso a tentativa incessante de censurar as redes sociais. Porque só assim, eles conseguem o monopólio da informação com as redes “autorizadas” permitidas para transmitir a informação / bajulação. Mediante farto dinheiro público.

  8. Valquir Silva dos Santos
    Valquir Silva dos Santos

    Ex-ce-len-te! Gostaria de compartilhar em grupos de WhatsApp , mesmo pra não assinantes! Uma forma de divulgação , principalmente pra jovens . Pessoas com menos de 20-25 alienadas que se deixam levar muito pelas narrativas da esquerda! Valquir . Manaus – Am

  9. Valquir Silva dos Santos
    Valquir Silva dos Santos

    Ex-ce-len-te! Gostaria de compartilhar em grupos de WhatsApp , mesmo pra não assinantes! Uma forma de divulgação , principalmente pra jovens . Pessoas com menos de 20-25 alienadas que se deixam levar muito pelas narrativas da esquerda! Valquir . Manaus – Am

  10. Antonio Carlos Neves
    Antonio Carlos Neves

    Ana, que tal ser nossa senadora em 2026?

  11. Olnei Pinto
    Olnei Pinto

    Bom dia. Parabéns , você continua fera.

  12. Fernando Lopes
    Fernando Lopes

    Texto perfeito. Infelizmente, tudo verdade.

  13. Antônio Carlos Lazarini da Fonseca
    Antônio Carlos Lazarini da Fonseca

    Belíssima reportagem, Ana Paula Henkel!

  14. Maisner Almeida Faria de Paula
    Maisner Almeida Faria de Paula

    Que texto excelente. Obrigado Ana Paula, por externar nestas linhas o que grande parte do povo brasileiro tem enxergado. A mídia tradicional, foi corrompida e lotada pelos defensores da agenda Woke. Pra nós leitores, telespectadores e ouvintes, fica cada vez mais difícil encontrar nas mídias tradicionais a verdade, por isso fiz a escolha pela revista Oeste pois percebo o quanto seus jornalistas são livres para expor suas opiniões e demonstrarem a verdade sem os acenos obscenos da imprensa tradicional. Liberdade de expressão e de pensamento sempre. Obrigado por lutar por isso.

  15. Jaime Moreira Filho
    Jaime Moreira Filho

    Ana Paula Henkel foi sensacional em sua análise. Endosso totalmente. Para isto digo que antigamente gostava muito da Folha e do Estado, tanto é que fui assinante por muitos anos. Mas fazem muitos anos. Quando a Folha colocava todo dia o Laudo Natel na primeira página, elogiando-o demasiadamente, perdi a confiança. E nem falou do Morumbi, nunca. O Estado, ao contrário, fazia todo santo dia uma manchete falando mal do Quércia. Nunca nenhum fato que lhe fosse positivo. Detonava na 1ª página e dava “errata” e/ou direito de resposta – muitas ações judiciais – nas páginas finais e escondidas. Há um livro sobre esta perseguição. Realizei um sonho de fazer jornalismo – terminei em 2015, Unip/Campinas – curso nota máxima do MEC – mas aprendi que jornalismo não é jornalismo atualmente no Brasil. E cada vez piorou…infelizmente.

  16. DONIZETE LOURENCO
    DONIZETE LOURENCO

    De forma lamentável a imprensa deixou de informar para servir aos piores propósitos de governantes que querem apenas o poder.
    Lembro quando era criança e meu pai escutava no rádio o REPÓRTER ESSO e sua chamada: “testemunha ocular da verdade.”

  17. Luciano Espinheira Fonseca Junior
    Luciano Espinheira Fonseca Junior

    Lá nos EUA e aqui em BANANIA, a mesma sujeira; a imprensa tradicional , carcomida, depende de $$$$ do governo. Na Itália, perseguem Georgia Meloni, da mesma maneira; quanto mais batem mais ela cresce.

  18. Luiz Antônio Alves
    Luiz Antônio Alves

    Meu palpite não vale nada. No entanto, presto atenção na mudança do jornalismo esportivo também. Nas treansmissões de jogos de futebol não existe mais a transparência e a imparcialidade. Exemplos são vários e emtodos os jogos. Quando existe uma falta contra o time que a imprensa torce, passam ripleis e comentam. Quando é uma falta em favor do outro time, omitem a reprise do lance e às vezes até omitem a imagem no caso de VT. Um jogador pode xingar um juiz, e não acontece nada, desde que ele faça parte dos times preferidos. Se for do time dos “outros” falam na justiça do cartão amarelo e depois de alguma reclamação, o cartão vermelho. Os elogios a jogadores símbolos da máfia desportiva são os tais.

  19. Ronaldo Rodrigues Rosa
    Ronaldo Rodrigues Rosa

    Provavelmente, esse descolamento só é possível porque nos EUA não existe financiamento público para a imprensa ou verbas publicitários. Com o governo brasileiro despejando rios de dinheiro nas emissoras, dificilmente haverá esse rompimento no Brasil. O jornalista fala o que o agente financiador (Governo) manda.

  20. Lauro Patzer
    Lauro Patzer

    Um artigo bem fundamentado, o que credita a confiabilidade. Com certeza, a censura às redes sociais é o extremo recurso daqueles que são desmentidos pela verdade. O que incomoda o esquerdismo é a verdade. Aqui no Brasil, há indícios das “togas” partirem para a censura aos livros. Stalin e Fidel Castro, Hugo Chaves, Hitler, Pol Pot, — das regiões abissais eternas — levantam o dedo polegar como sinal de aprovação.

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