(J.R. Guzzo, publicado no jornal Gazeta do Povo em 26 de maio de 2022)
Não é a toda hora que se encontra uma história de superação no fracasso como a que está sendo oferecida ao público em geral pelo ex-governador João Doria. Histórias de superação, em geral, são relatos edificantes. Mostram como alguém, saindo de condições terrivelmente adversas, consegue superar uma a uma todas as suas dificuldades, para ao fim chegar à vitória. Com Doria aconteceu exatamente o contrário. Saindo de condições terrivelmente favoráveis, foi destruindo uma por uma todas as suas facilidades, para ao fim chegar à derrota. Há menos de quatro anos era o homem que “tinha tudo” na política brasileira; seu futuro lhe reservava, no mínimo, a Presidência da República. Hoje é três vezes nada.
É realmente um fenômeno. Doria lançou-se a uma corrida de 5 mil metros e conseguiu chegar antes do ponto de partida — ou seja, correu para trás. Não é mais o futuro presidente do Brasil, cargo semi-obrigatório para quem cresce na política do maior Estado do país. Não é sequer candidato à Presidência na próxima eleição — conseguiu ser transformado em picadinho pelos seus companheiros de PSDB. Não é mais, nem mesmo, o governador de São Paulo. Ou seja: acabou com menos do que tinha quando começou.
Doria é um desses casos que podem acabar servindo como objeto de estudo em cursos de ciência política, num workshop sobre como lidar com decisões — e errar em cada uma delas. Ao ser eleito governador, ele era o “Bolsodoria” — o presidente Bolsonaro em São Paulo, seu aliado fundamental, representante e possível sucessor como presidente. Resolveu, pouco depois de tomar posse, que seria mais lucrativo transformar-se no exato contrário: o inimigo número 1 de Bolsonaro em São Paulo. Morreu aí, mais que por qualquer outro motivo —perdeu o cartaz junto aos bolsonaristas, não conseguiu nem o mais miserável apoio na esquerda que faz oposição e acabou sem coisa nenhuma. Doria, antes do seu grande projeto, era detestado pelo PT, os jornalistas e a esquerda em geral. Agora é detestado por todos.
Sua atuação durante a covid foi um suicídio político em praça pública. Doria, e suas equipes publicitárias, acharam que ele ganhava milhões de votos a cada vez que aparecia em entrevistas coletivas, com máscara preta de última moda, dizendo que era preciso “fechar tudo”, “salvar vidas” e deixar para “depois” a necessidade de produzir e trabalhar. O CPF é mais importante que o CNPJ, ensinava a todos — certo de ter descoberto aí a tirada mais genial da história política universal. “Fique em casa”, dizia, e achava que estava fazendo um sucesso fenomenal. Mas a população queria exatamente o contrário do que o então governador estava pregando, e rapidamente se viu a realidade. Doria perdia mais e mais votos a cada vez que aparecia em seus “eventos de mídia”; ao fim da covid, não existia mais como opção séria na política brasileira.
Nem a vacina ajudou. Doria imaginou que a população paulista e brasileira ia lhe dar, de imediato, a medalha de herói por trazer, antes de qualquer outro, a vacina anticovid para o Brasil. Não rolou, desde o começo. Parte das pessoas, cientes de que eram elas mesmas, e mais ninguém, que estavam pagando a conta, não pensaram sequer em dizer um “muito obrigado”. Outros acharam que a história toda era simplesmente ridícula — apenas riam, de Doria e da “vachina”. O que mais se viu, ao fim, foi uma opaca indiferença.
No resto do tempo, Doria foi visto fazendo dancinhas, perguntando “quem aqui já foi a Dubai” (numa de suas palestras), dando bom dia a manequins de loja e sabotando o governo federal em tudo o que podia; num momento extremo, foi visto festejando o sucesso da cantora Anitta em seu último pornovídeo. Obra, que é bom, nem uma bica d’água — ou nada que a população pudesse, realmente, considerar uma obra. Iria arrasar, em 2022, abrindo os bilhões de reais que o Tesouro de São Paulo tem nos seus cofres; já se chegou ao mês de junho e não aconteceu nada até agora.
Deu tudo terrivelmente errado.
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