(J.R. Guzzo, publicado no jornal O Estado de S. Paulo em 18 de dezembro de 2022)
Está em pleno funcionamento no Brasil um novo Ato Institucional número 5, o instrumento de força usado pelo regime militar para impor ao Brasil uma ditadura que durou mais de dez anos — só que mais destrutivo, mais perverso e com propósitos piores que os do modelo original. O AI-5 de hoje é o inquérito perpétuo, sem limites e absolutamente ilegal que o ministro Alexandre de Moraes comanda contra “atos antidemocráticos”, usando como seu braço armado uma Polícia Federal que não cumpre mais a lei e obedece às cegas a todas as suas ordens. “Ato antidemocrático”, muito simplesmente, é tudo aquilo que o ministro diz que é antidemocrático, como eram os “atos subversivos” do regime dos generais. É o pé de cabra que ele inventou para dar a si próprio o direito de agir fora da lei. Por conta da necessidade de defender “a democracia”, aboliu a exigência elementar de que um cidadão só pode ser acusado por crimes que estejam previstos no Código Penal e no resto da legislação brasileira — e dentro de processo legal, perante a Justiça. O resultado é que o inquérito está servindo, unicamente, para Moraes perseguir quem cai na lista de inimigos do seu projeto político.
“Ainda tem muita gente para prender”, ameaçou ele, com a certeza de quem faz o que quer. Nenhum oficial da ditadura disse uma coisa dessas, nunca — Moraes diz e dá risada. Em seu último surto, prendeu quatro cidadãos no Espírito Santo que não cometeram delito algum — um deles foi acusado de “demonizar” o STF, coisa que não tem existência legal nenhuma. Prendeu empresários. Prendeu um cacique indígena. Mandou colocar tornozeleira eletrônica. Aplica multa de R$ 23 milhões, ou de R$ 150 mil por hora. Congela contas bancárias. Bloqueia salários. Manda a Polícia Federal invadir residências e escritórios às 6 horas da manhã. Não obedece à lei que dá ao Ministério Público a exclusividade na acusação penal. Ignora os pedidos oficiais do MP para arquivar o seu inquérito; ou então fecha um e abre outro no mesmo dia. O Congresso, as Forças Armadas e os cardeais da “sociedade civil” aceitam tudo. É democracia, isso?
Está em pleno funcionamento no Brasil, e antes mesmo de começar o novo governo Lula, o maior esquema de corrupção que este país já viu — perto do que vem por aí, a ladroagem alucinada dos 13 anos em que o PT esteve no poder vai parecer assunto para o juizado de pequenas causas. A primeira grande ordem de “avançar” é a infame mudança na Lei das Estatais — uma safadeza armada no submundo da Câmara, e apoiada em massa pelo PT, que permitirá a Lula enfiar até 600 serventes políticos na direção das empresas do governo. É daí para pior.